Em âmbito federal, as cotas raciais de concursos públicos vigoram desde 2014, com a lei nº 12.990. Estão em vigor também as cotas em universidades federais com lei nº 14.723, de 13 de novembro de 2023, que altera a lei de 2012 que as instituiu. Estadualmente, o ingresso por cotas na universidade é regulamentado pela lei nº 14.832, de 12 de julho de 2004.
Concursos com três vagas ou mais devem ter cota
O projeto que reserva às pessoas negras 20% das vagas sempre que os concursos e processos seletivos mencionados oferecerem ao menos três vagas.
A primeira vaga reservada às cotas raciais é a do 3º candidato a ser convocado.
Assim, supondo-se um concurso de três vagas em que o candidato mais bem colocado da cota racial fique em 5º lugar na pontuação geral, ele obterá a terceira vaga do concurso. Caso fique em 1º lugar geral, será convocado em 1º e não usará a cota, então reservada a outro cotista.
Estabelece o projeto que para concorrer às vagas reservadas os candidatos deverão se autodeclarar, no ato da inscrição, pretos ou pardos, conforme o quesito cor ou raça utilizado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE).
É disposto também que, para a verificação do enquadramento da autodeclaração, deve ser designada, com competência deliberativa, uma comissão para esse fim.
Estabelece-se ainda que “a verificação do enquadramento da autodeclaração do candidato não considerará a sua ascendência, independentemente de ele possuir mãe, pai, avós ou bisavós negros, pretos ou pardos, nem registros civis, militares ou quaisquer documentos que façam referência à autodeclaração de ascendentes ou pareceres emitidos por bancas de heteroidentificação de outras instituições”.
Para concursos com mais vagas ou nomeações, são reservadas as vagas do 8º, do 13º, do 18º colocado e assim por diante – sempre uma a cada cinco posições, seguindo a regra de 20%.
No texto é previsto que a lei vigorará de dez anos.

Deputados bolsonaristas votam contra
“Dizendo o óbvio: não estamos instituindo nenhum privilégio, estamos fazendo justiça”, declarou Karlos Cabral (PSB), que na atual legislatura havia apresentado projeto de teor afim, sobre o que foi chancelado nesta terça.
Após listar os altos indicadores de pobreza e morte por homicídio entre a população negra, o deputado afirmou: “Esse projeto quer criar equidade. Estou dizendo isso como um homem branco, com todos os privilégios que a minha cor me deu. Eu sei que a minha cor branca me deu privilégios. E não estou falando em culpa, mas em responsabilidade.”
“Entre os pobres também há desigualdade de acordo com a cor da pele. Mesmo entre os pobres [a cor] influencia onde a pessoa mora, onde pode viver, onde vai trabalhar, o salário que recebe, como vai ser tratada em um hospital ou em uma delegacia”, pontuou Kabral.

Cabral foi contestado por Amauri Ribeiro:
“Tenho certeza de que temos essa igualdade [de oportunidades]”, disse. “Ninguém tem o pedido negado de se matricular em uma escola pública pela sua cor, ideologia ou preferência sexual, nós temos igualdade, a desigualdade está em dar privilégio para um ou para outros. Isso fere o direito de igualdade que está na Constituição, o direito de cota para mim é um racismo explícito”, sustentou o deputado bolsnarista do chapéu.
O deputado voltou a questionar, como fizera em Plenário nesta segunda, a duplicidade do sistema de cotas, aplicadas tanto nas universidades quanto em concursos públicos. Ponderou também não ser contrário a se considerar cotas de acordo com a situação financeira familiar.
Cabral e Ribeiro divergiram sobre o percentual de população negra encarcerada.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2024, no ano anterior 69,1% dos encarcerados eram negros. O anuário segue o critério do IBGE, que define a população negra como a soma de pretos e pardos. O percentual de pretos é de 10,2% no Brasil e de 9,2% em Goiás. Os pardos são 45,3% nacionalmente e 54,2% estadualmente.
Assim, a população negra totaliza 55,5% no Brasil e 63,4% em Goiás.
Major Araújo (PL) contestou que o total de negros presos ou que moram na favela são “um problema social” sem conexão com o projeto de cotas hoje discutido, que “trata de mérito, concurso público é questão de mérito e nada mais”.


Líder do PT na Assembleia Legislativa, o deputado estadual Antônio Gomide salienta que a politica de cotas iniciada nos governos do presidente Lula e da presidenta Dilma proporcionaram a inclusão social de milhares de jovens negros no ensino superior.
“De acordo com o último censo do IBGE de 2022, o acesso da população negra ao ensino superior aumentou 232% na comparação entre 2000 e 2010, graças às politicas de construção de novas universidades e institutos federais, os incentivos de programas como ProUni e Fies, e a política de cotas. Mas, ainda há barreiras a serem transpostas e é preciso avançar mais””, frisa Gomide.
Lei de cotas tem apoio e mostram resultado positivo
Levantamento realizado pelo Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas em 980 publicações sobre políticas de ação afirmativa no ensino superior brasileiro aponta que 71% dessas pesquisas avaliaram positivamente as cotas raciais e 62% as cotas sociais. Os estudos analisados foram publicados entre 2006 e 2021. O consórcio, que inclui especialistas da UFRJ, UnB, UFBA, UFMG, UFSC, Unicamp e Uerj.
A Lei das Cotas completou treze anos em 2025., Houve uma fase experimental que durou de 2002 a 2007, quando a política chegou a 40 instituições de ensino superior públicas brasileiras. Depois disso, entre 2008 e 2011 o país viveu uma fase em que o Reuni, programa de expansão das universidades federais, garantia incentivos para quem implementasse as cotas. Só em 2012 foi aprovada a lei federal.
De 2001 a 2020 o número de pretos, pardos e indígenas matriculados em universidades públicas no Brasil passou de 31% para 52% do total de estudantes. E os de classe C, D e E de 19% para 52%. Os dados, amealhados pelo Consórcio de Acompanhamento das Ações Afirmativas a partir de informações incluídas na Pnad Contínua, são de alunos de todos os cursos universitários de instituições federais, estaduais e municipais, de 18 a 34 anos, e não incluem apenas os que entraram nas faculdades através da Lei Federal de Cotas e de outras políticas afirmativas. Eles foram
“Neste período, também houve um aumento de quase 6% do número de pessoas que passaram a se identificar como pretos, pardos e indígenas no país, mas, sozinho, isso não explica tamanha mudança da cara do ensino superior brasileiro. As cotas, como apontam vários estudos produzidos desde 2012, foram fundamentais para aumentar o interesse destas pessoas pela universidade — disse em matéria para o jornal O Globo, o sociólogo Luiz Augusto Campos, professor de Ciência Política do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-Uerj) e um dos 31 acadêmicos de sete universidades e oito grupos de pesquisa que criaram o Consórcio no fim do ano passado”.
Cotistas x não cotistas
“Fica claro que a desvantagem destes alunos (cotistas) nas etapas anteriores do ensino não influem no desempenho durante o curso superior. E não se trata de uma especificidade da UFMG. A UFBA está em processo final de pesquisa comparativa de desempenho e os resultados são semelhantes — diz Campos, que é coordenador do Observatório das Ciências Sociais (OCS) e do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) da Uerj, pioneira na implantação de políticas afirmativas no ensino superior, uma década antes da implementação da Lei Federal de Cotas”.
Já Ana Paula Karruz, explica que a diferença de desempenho é de apenas 5 pontos numa escala de 0 a 100, em 85 dos 86 cursos analisados.
“A mensagem é clara, uma vez que entram na universidade o desempenho é muito próximo. A lição da UFMG é que não prestamos qualquer apoio às ideias de que haveria queda acadêmica. O foco é o oposto: há um desempenho superior, se relacionado diretamente às notas do Enem”, afirmou Ana Paula Karruz, da UFMG.
Um dos casos mais interessantes apresentados no encontro foi o da UFSC, instituicao publica no estado mais branco do país. Em 2005, 8.5% dos estudantes da instituição eram negros para uma população de 11,7% de negros. Com a adoção da lei de cotas em 2008 o quadro foi mudando e em 2000 os números se equipararam: 18.8%. Mais: no curso de Medicina, de 2008 a 2012 apenas 3% dos médicos formados eram negros, de 2017 a 2021 passou para 23%.
“Buscar essa igualdade entre estudantes e o números de pretos e pardos na população era o mínimo que queríamos fazer em uma universidade pública. Mas talvez foi possível conseguir este aumento neste período porque o número de beneficiados não passa de 20%, a grita é menor”, afirma o professor Mauricio Tragtenberg, da UFSC.
Mais indígenas nas universidades
Outra pesquisa inédita mostrou o aumento do número de estudantes pretos, pardos e indígenas em todas as universidades federais, de 2012 a 2016. Os números mostram o aumento especialmente em cursos tradicionalmente classificados como “de elite”, como Relações Internacionais, Medicina, Odontologia, Direito e Engenharia
“Os números mostram que as políticas afirmativas aplicadas não criaram guetos de exclusão”, afirmou ao Globo o pesquisador Adriano Senkevics, do INEP
Senkevics também lembrou que a velocidade do avanço de entrada de estudantes de classe C, D e E (menos favorecidas) diminuiu nos últimos anos e que a pandemia deve ser um fator para a desaceleração, mas faltam dados para se confirmar esta percepção e entender essa detecção “preocupante”.
Outro estudo, qualitativo, do sociólogo Jefferson Belarmino de Freitas, do IESP-Uerj, e do cientista político João Feres Júnior, também da Uerj, concluído em maio, mostra, através de entrevistas com os graduandos, como as cotas raciais na instituição fluminense ultrapassaram os benefícios individuais e aumentaram a disseminação de valores antirracistas.
O racismo se tornou mais perceptível nas vidas de estudantes pretos e pardos, por exemplo, ao passarem a circular em espaços nos quais a presença de negros ainda é minoritária, e no próprio processo de aprendizado social que os levam a articular melhor a dimensão do problema. Os efeitos sociais e políticos da disseminação de valores antirracistas, proporcionados pelas cotas, ultrapassa, defendem os pesquisadores, os portões das universidades e chega, como revelam os depoimentos, às famílias e locais de trabalho dos beneficiados.
Com informações do jornal O Globo, site Geledês, Agência de Notícias da Alego, infográficos: Geledês – Foto da capa: Will Rosa/Agência Alego