Em seu primeiro comentário sobre o resultado das eleições presidenciais na Venezuela, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse que "não tem nada de grave e assustador" — ou "anormal" — no pleito e que, para "resolver a briga", é preciso que o governo de Nicolás Maduro apresente as atas das seções eleitorais.
"É normal que tenha uma briga. Como resolve essa briga? Apresenta a ata. Se a ata tiver dúvida entre a oposição e a situação, a oposição entra com um recurso e vai esperar na Justiça o processo. E vai ter uma decisão, que a gente tem que acatar. Eu estou convencido de que é um processo normal, tranquilo", afirmou o presidente, em entrevista ontem no Palácio da Alvorada à TV Centro América, afiliada da TV Globo em Mato Grosso. No entanto, outros países como Argentina, Chile e Uruguai, contestaram o resultado.
Lula afirmou que, caso as atas sejam apresentadas, o Brasil tem a obrigação de reconhecer o resultado. "Na hora que tiverem apresentado as atas, e for consagrado que a ata é verdadeira, todos nós temos a obrigação de reconhecer o resultado eleitoral da Venezuela", alegou.
O Brasil ainda não emitiu um posicionamento sobre o reconhecimento das eleições. Ontem, o Itamaraty informou que aguarda a divulgação de dados oficiais. Na segunda-feira, a chancelaria brasileira vetou a participação da embaixadora do Brasil na Venezuela, Glivânia Maria de Oliveira, na reunião com Maduro que proclamou a vitória do presidente, mas o PT divulgou, no mesmo dia, nota em que reconhece o resultado proclamado pelo governo venezuelano.
"O PT reconheceu, a nota do Partido dos Trabalhadores reconhece e elogia o povo venezuelano pelas eleições pacíficas", declarou Lula à TV mato-grossense. "O tribunal eleitoral já reconheceu o Maduro como vitorioso, mas a oposição ainda não. Então, tem um processo. Não tem nada de grave, não tem nada de assustador. Eu vejo a imprensa brasileira tratando como se fosse a 3ª Guerra Mundial. Não tem nada de anormal", avaliou o presidente.
Lula afirmou ainda que há uma proposta que está sendo costurada de que Brasil, México e Colômbia assinem uma nota conjunta. "Na hora que tiver apresentado as atas e for consagrado que a ata é verdadeira, todos nós temos a obrigação de reconhecer o resultado eleitoral da Venezuela. Há uma proposta que está sendo feita de que Brasil, México e Colômbia assinem uma nota conjunta. Não acho que é necessária muita coisa, não", disse ele, ressalvando que não pode haver "ingerência externa" nos assuntos da Venezuela.
à tarde, Lula e o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, conversaram por telefone sobre a eleição presidencial na Venezuela. Na ligação, que durou cerca de 30 minutos, Biden reforçou a importância da divulgação das atas de votação. Lula deu detalhes das reuniões que o assessor especial para Assuntos Internacionais da Presidência, Celso Amorim, participou com Maduro e com representantes da oposição, que contesta o resultado e acusa Maduro de fraudar o pleito.
"Amorim reiterou a posição do Brasil de seguir trabalhando pela normalização do processo político no país vizinho, que terá efeitos positivos para toda a região", informou a assossoria do Planalto, em nota. "Lula reiterou que é fundamental a publicação das atas eleitorais do pleito ocorrido no último domingo. Biden concordou com a importância das divulgações das atas", diz outro trecho da nota.
Em comunicado divulgado pela Casa Branca, Biden agradeceu a Lula "por sua liderança na Venezuela". Segundo a nota do governo dos EUA, "os dois líderes concordaram na necessidade de divulgação imediata de dados eleitorais completos, transparentes e detalhados ao nível das assembleias de voto pelas autoridades eleitorais venezuelanas. Ambos partilharam a perspectiva de que o resultado das eleições venezuelanas representa um momento crítico para a democracia no hemisfério e comprometeram-se a permanecer em estreita coordenação sobre a questão".
Lula aproveitou o telefonema para cumprimentar Biden pela decisão "magnânima" de desistir de concorrer à reeleição e "desejou sucesso para a democracia do país nas eleições presidenciais, em novembro".
Antes de conversar com Biden, Lula convocou o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, para uma reunião no Palácio da Alvorada. Vieira atualizou o presidente sobre os últimos acontecimentos na Venezuela, incluindo os protestos violentos contra a autodeclarada vitória de Maduro. No Itamaraty, cresce a preocupação com a demora na liberação das atas, apesar das promessas do regime de liberá-las "nos próximos dias".
Na tarde de ontem, o assessor Celso Amorim desembarcou em Brasília vindo de Caracas, de onde acompanhou as eleições. Ainda na capital venezuelana, Amorim intercedeu para evitar a invasão da embaixada da Argentina, que abriga seis refugiados venezuelanos, opositores ao regime de Maduro. Na segunda-feira, o diplomata conversou com Maduro, e argumentou que a invasão seria uma quebra grave das normas diplomáticas internacionais. A conversa se deu a pedido da chanceler argentina, Diana Mondino.