A deputada federal Rosângela Moro (União-SP) redigiu um relatório de viagem com informações falsas e enviou à mesa diretora da Câmara dos Deputados, no dia 5 de outubro de 2023, afirmando que havia sido palestrante em um evento de que não participou.
Com a manobra, a Casa foi induzida a despender recursos públicos para pagar uma visita pessoal da parlamentar a Buenos Aires, em setembro do mesmo ano, em que ela serviu de acompanhante ao esposo e senador, Sergio Moro (União-PR). Na ocasião, o ex-juiz participava de um encontro de políticos de direita da América Latina, cujo anfitrião era o ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019).
O Ato da Mesa nº 31/2012 da Câmara dos Deputados é a norma que regulamenta as viagens em Missões Oficiais dos membros da Casa. Em resumo, o que se determina é que o deputado que viaja em missão oficial tem suas despesas pagas pela Câmara. É o que se lê em seu Artigo 2º, transcrito abaixo. Os destaques são da reportagem do DCM.
Art. 2º Os beneficiários indicados no artigo 1º, caput, que se deslocarem do Distrito Federal ou da sua unidade de lotação ou de seu Estado de origem, para outro ponto do território nacional ou para o exterior, a serviço, missão oficial ou treinamento, no interesse da Câmara dos Deputados, em caráter eventual ou transitório, farão jus à percepção de diárias, destinadas a indenizar as despesas extraordinárias com pousada, alimentação e locomoção urbana, e adicional de embarque e desembarque.
Por “missões oficiais”, segundo o mesmo ato, se entende:
Aquelas que atendem a convites de Parlamentos de outros países e organismos internacionais com os quais a Câmara se relaciona.
Então, em setembro do ano passado, Rosângela Moro entregou à Câmara um pedido de custeio de sua ida a Buenos Aires, sob a alegação de que seria participante do mesmo fórum a que Sergio Moro fora convidado, a convite, portanto, da instituição que o organizava, como representante da Câmara, e ainda solicitou a data da passagem de volta para o dia 24 de outubro, um mês após o término do evento.
Rosângela Moro alegou à Câmara que iria em missão oficial a um evento da direita latino-americana na Argentina (crédito: Câmara dos Deputados)
Rosângela Moro solicitou reembolso de passagem de volta de Buenos Aires um mês após o evento que não participou. (crédito: Câmara dos Deputados)
Na realidade, porém, a deputada não era uma das participantes do evento. O compromisso a que atendia seu esposo era o “II Encontro do Grupo Liberdade e Democracia”. Tratou-se de um ciclo de palestras promovido pelos grupos de direita “Fundación Libertad” e “Libertad e Democracia”, este último formado por chefes e ex-chefes de Estado da América Latina. Sergio Moro era um dos participantes/palestrantes, ao contrário de sua esposa.
Abaixo está a reprodução da lista de participantes do evento – sem Rosângela Moro -, com destaque para os brasileiros, todos integrantes de alguma das mesas de debate. Posteriormente à divulgação da lista, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), foi substituído pela senadora Tereza Cristina (PP-MS) como uma das palestrantes.
No canal dos organizadores do evento no Youtube, é possível ler a lista de participantes e assistir a todas as palestras realizadas no encontro, inclusive àquelas que, de acordo com relatório entregue à Câmara por Rosângela Moro, contaram com sua participação – o que não aconteceu. São elas:
Confira abaixo matéria do DCM que demonstra a não participação oficial de Rosangela Moro no evento em Buenos Aires:
Palestra de Sergio Moro evidencia alegação falsa de Rosângela Moro à Câmara
O senador Sergio Moro participou da mesa sobre “Combate ao crime organizado e fortalecimento da segurança do cidadão”, realizada na tarde do dia 22 de setembro.
No início de sua fala, ele se dirige a toda a delegação brasileira, citando a todos nominalmente. Chega afirmar, inclusive, que foi ele, Moro, quem convidou a todos, e que “insistiu na vinda da delegação brasileira, porque o Brasil precisa participar”.
Depois, em uma declarada intenção de participar ativamente do processo eleitoral argentino (então em curso), ressalta a importância de estar ali naquele momento, para tirar o kirchnerismo, “que tão mal fez ao país”, do poder. Veja, abaixo, transcrição do trecho do discurso de Moro em que o parlamentar enumera a delegação brasileira. Em seguida, assista ao vídeo com a íntegra palestra do senador.
“Quero fazer um cumprimento especial à delegação brasileira. Na última vez, eu vim sozinho, mas desta vez consegui trazer, chamei, convidei, temos aqui o senador Girão, a senadora Tereza Cristina, que foi a melhor ministra da Agricultura que tivemos na história. Cumprimento também ao governador Ronaldo Caiado, que tem se empenhado no enfrentamento da Segurança Pública”.
Como se pode ver, conforme evidencia a exposição do senador, sua esposa não era participante do evento.
A apresentação, por parte de um(a) deputado(a), de informações falsas a um órgão oficial com intuito de obter vantagens econômicas indevidas em desfavor dos cofres públicos pode gerar um processo de cassação de mandato por quebra de decoro, além de configurar – em tese – ato de improbidade administrativa, que se caracteriza, entre outras hipóteses, ao se “ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento”.
Uma busca no Google com esta frase mostrará ao leitor que o senador apenas tentava repetir o que exaustivamente seus colegas de extrema direita repetem, uma comparação do contexto da França daquele período com o do Brasil dos tempos atuais, tentando dizer que a mesma frase dita pelo francês poderia ser direcionada ao presidente Lula.
De maneira constrangedora, porém, Moro confunde os episódios e personagens. Ele afirmou que a frase seria uma crítica ao rei que foi retirado do trono em 1848, Luis Filipe I, por cometer os mesmos erros que sua dinastia (Bourbon) havia cometido anteriormente ao longo da história.
Na realidade, porém, o último representante da Casa dos Bourbon (Carlos X) foi deposto em 1830, e Luis Filipe, da Casa de Orleans, foi entronado exatamente para substituí-lo. Ele próprio (Filipe) veio a ser deposto em 1848, em um golpe reformador coordenado, entre outras forças políticas, pelos defensores da dinastia Bourbon, aquela que Moro julgou estar sendo deposta em 1848. Charles Maurice de Talleyrand, o autor da frase utilizada pelo senador, jamais poderia estar se referindo a este episódio, posto que havia morrido há dez anos.
A demissão ocorreu após o DCM revelar, com exclusividade, que o ex-juiz de Curitiba levara seu assessor como acompanhante a uma viagem “a passeio” a Maringá (PR), na qual o parlamentar utilizou dinheiro público para bancar o transporte, a alimentação e a estadia do jovem assessor.
No documento oficial que informa o desligamento de Sabbato, consta que sua exoneração foi “a pedido”, ou seja, por desejo do próprio ex-assessor.
Tanto o senador Moro como seu gabinete não informaram o motivo do desligamento, nem quem substituiu o estudante nas funções que praticava no gabinete, incluindo a de acompanhante em viagens a passeio do congressista.
O jovem Lucas Dorini Sabbato, estudante de direito que recebia salário de R$ 29,5 mil no gabinete de Sergio Moro (crédito: arquivo pessoal)
DCM