O empresário Donald Trump retorna à Casa Branca, em Washington, para servir como 47° presidente dos Estados Unidos. Seu uso exacerbado do discurso como ferramenta política torna difícil a previsão dos impactos de seu segundo mandato, mas, no campo da economia, Trump prometeu mais protecionismo. Os cidadãos da maior economia do planeta desejam o retorno da “Era Dourada” da indústria americana, o que se traduz, inicialmente, em taxações aos produtos importados e políticas de fortalecimento do dólar.
No comércio externo, Goiás tem nos Estados Unidos um de seus principais parceiros comerciais: os EUA são responsáveis por 29% das importações e 6% das exportações do estado. Para compreender como a eleição de Donald J. Trump afeta a economia goiana, o Jornal Opção conversou com economistas, secretários de estado e especialistas em relações internacionais.
Na prática
O economista Pedro Wilson contou ao Jornal Opção que, apesar das promessas radicais no período da campanha, “a partir do momento que ele está lá dentro, é um pouco mais difícil implementar tudo da forma que ele promete”. Caso parte de seus compromissos se realizem, entretanto, podemos esperar poucos ganhos para a economia brasileira advindos da política de Trump. Um dólar mais forte e aumento das taxas para importação de países como o Brasil resultarão no encarecimento da cadeia produtiva, “principalmente produtos importados”.
Pensando no contexto específico do estado de Goiás, no qual o comércio com o Estados Unidos é mais frequente (principalmente no quesito importação), as previsões não são animadoras. “O insumo do plantador de soja, do plantador de milho, ele é dolarizado. Então se você encarecer o custo da cadeia, o produto final, ele vai ser encarecido também por conta dessa passagem de preço”, sintetizou.
Pensando em alternativas, Wilson explica que precisamos nos tornar um país em “que o investidor internacional tenha maior confiança”, passando por políticas internas de reformas fiscal e tributária. A ideia é fortalecer nossa moeda e aumentar a credibilidade do país, atraindo assim um maior fluxo de dólares para a economia brasileira. “A gente consegue, num primeiro momento, já estancar um pouco essa sangria de moeda”, colocou.
Outra prática recomendada é fortalecer o seu comércio com outros países. O especialista explica que a “diminuição de negócios entre os Estados Unidos e a China, entre Estados Unidos e Brasil, abre, possivelmente, uma porta para Brasil e China fortalecerem os seus negócios, por exemplo”.
Possíveis impactos
Ao Jornal Opção, Danyelle Wood, professora e analista de relações internacionais, afirma que, apesar das previsões negativas, existe um alarde muito grande ao redor das falas de Trump e que é preciso ver quantas de suas promessas de campanha de fato serão postas em prática.
A especialista fala da postura protecionista que o republicano provavelmente adotará. Aumento do valor do dólar e a maior taxação para importação (principalmente sobre produtos chineses) podem ter consequências adversas. “Já existe um entendimento de que as taxações vão gerar, na verdade, inflação e problemas domésticos pros Estados Unidos”, afirma a professora, denunciando questionamentos feitos pela equipe econômica de Trump.
Wood explica que o aumento de Trump nas tarifas para importação deve reorganizar o mercado internacional em alguma medida. Muitos países devem adotar postura de reciprocidade e aumentar, em algum nível, as taxações para produtos estadunidenses, além de buscar diversificar as parcerias comerciais. Wood pontua: “Se os Estados Unidos realmente adotarem uma tarifa global, o que eles estão fazendo é empurrar o mundo pra China”.
Ao mesmo tempo, a elevação do valor do dólar pode acabar estimulando a adoção de outra moeda para o comércio internacional, devido à alta na inflação já esperada. “Se o dólar aumentar, isso significa que tudo que a gente importa, não só dos Estados Unidos, vai aumentar”, explica Wood, concordando com Wilson. A especialista explica que esse aumento no custo de vida deve se reproduzir em outros países, o que torna mais atraentes as propostas de adoção de moedas alternativas no comércio exterior, como a proposta dos Brics, por exemplo.
Por fim, a especialista em relações internacionais recomenda análises “pragmáticas” conforme o cenário se desenvolve, dando destaque para diversificação de parceiros econômicos, especialmente com a União Europeia.
Agronegócio
Dados da Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) mostram que os Estados Unidos é o país do qual mais importamos produtos para o agronegócio goiano. No ano passado, “nós importamos dos Estados Unidos aproximadamente US$255 milhões, o que representa 29% das importações”, afirma Edson Alves Novaes, gerente técnico e econômico da FAEG. Já no quesito exportações do agro goiano para os Estados Unidos, os US$ 291 milhões vendidos para os estadunidenses representam apenas 6% dessas exportações em 2024.
Portanto, considerando o aumento global do dólar que deve ocorrer e as taxações sobre produtos brasileiros já anunciadas, a cadeia produtiva goiana deve sentir um impacto mais considerável nos produtos que importamos. Esse impacto, como de costume, deverá ser repassado à diante, atingindo em algum nível o consumidor final.
Já quando pensamos nos produtos que exportamos, por mais que o peso dos Estados Unidos seja menor nessa dinâmica, pode haver algum prejuízo. Isso porque, “53% das nossas exportações [agronegócio] para os Estados Unidos foram de carne bovina”, explica Novaes. Isso representa mais de US$ 153 milhões. Vale destacar que, de 2023 para 2024, esse volume de carnes exportadas aumentou em 27%. Por mais que o volume geral de exportações para os Estados Unidos não seja tão considerável, como apenas um setor representa mais da metade do montante, isso pode sim ser danoso em algum nível.
O gerente técnico da Faeg explica que, pensando nos impactos nas importações destinadas ao agronegócio vindas dos Estados Unidos, os principais impactos serão nos maquinários agrícolas e nos fertilizantes. Dos US$ 255 milhões que importamos dos Estados Unidos para o setor em 2024, US$ 191 milhões são referentes aos maquinários agrícolas e cerca de US$ 50 milhões a adubos e fertilizantes. Novaes coloca o momento como oportunidade para fortalecer relações comerciais com os países que também serão taxados pelos Estados Unidos, como a China.
Apesar das previsões negativas tanto na importação quanto na exportação, o especialista da Faeg tranquiliza: “Temos que medir o impacto da taxação em nossas exportações e importações entre Goiás e EUA”, diz Edson Alves Novaes. Para ele, a aplicabilidade das promessas de Trump pode ser falha e os recursos dos quais o Brasil e o estado de Goiás dispõem devem equilibrar em alguma medida a balança comercial. Portanto, os efeitos reais da nova política da maior economia do mundo só serão sentidos de fato nos próximos meses.
Estabilidade
“Se você pegar a balança comercial com os Estados Unidos, ela não é tão significativa”, explica o secretário de Indústria e Comércio de Goiás, Joel Sant’anna, ao Jornal Opção. O gestor da pasta responsável pelos negócios internacionais do estado minimiza os possíveis danos que a política protecionista de Trump pode trazer para Goiás. “Os nossos maiores parceiros hoje são China, também temos o mercado com europeu, temos aqui o Mercosul…”, garantiu diversidade nos parceiros comerciais.
O gestor da pasta tranquiliza aqueles que estão preocupados com os aumentos tarifários anunciados pelo republicano estadunidense. “Se a gente importa mais do que exporta, acho que dificilmente nós seríamos prejudicados neste quesito”, resumiu.
O chefe da Secretaria de Indústria e Comércio (Sic) não nega que o aumento do dólar pode ter impacto direto no custo de vida em Goiás, considerando as possíveis altas da Bolsa de Valores e o aumento dos juros. Entretanto, Sant’anna recomenda calma, já que a aplicação das vontades de Trump dependem da aprovação de outras instituições estadunidenses, como o Congresso. No médio e longo prazo, as divergências entre os governos federais do Brasil e dos Estados Unidos podem representar algum atrito, conforme prevê o secretário, entretanto, ele é categórico ao afirmar: “eu não vejo para Goiás, por enquanto, grandes preocupações”.
Por fim, seguindo os conselhos de Wood e Wilson, o chefe da Sic garante que as negociações com grupos estrangeiros seguem inalteradas, com parceiras na China, Índia, União Europeia e também, inclusive, nos Estados Unidos. “O estado de Goiás vem trabalhando com os países de forma a aumentar as relações comerciais”, tranquilizou Sant’anna.