María Corina Machado, a principal voz da oposição na Venezuela, e o candidato Edmundo González Urrutia tornaram-se na terça-feira (30/7) alvo de declarações contundentes por parte de um dos nomes mais importantes do regime chavista — Jorge Rodríguez, presidente do legislativo do país, que pediu a prisão dos dois e afirmou que ambos estão tentando provocar uma guerra civil.
Desde as eleições presidenciais de domingo (28/7), o governo de Nicolás Maduro e a oposição, representada por Machado e González, disputam os resultados do pleito.
O Comitê Nacional Eleitoral (CNE) declarou Maduro o vencedor da disputa com 5,1 milhões de votos (51,2% do total), à frente do adversário Edmundo González Urrutia, com 4.4 milhões de votos (44,2%), com 80% das mesas de votação apuradas.
O presidente da autoridade eleitoral venezuelana afirmou que o resultado era irreversível.
María Corina Machado e Edmundo González Urrutia, porém, rejeitaram a afirmação, dizendo ter em mãos dados suficientes para comprovar a derrota de Maduro.
Segundo eles, González teria recebido 6,27 milhões de votos, enquanto Maduro teria tido 2,75 milhões. De acordo com Machado, a oposição teria em seu poder 73,2% das atas de votação (algo como o boletim de urna no Brasil).
“Com as atas que nos faltam, mesmo que o CNE tenha dado 100% dos votos a Maduro, não alcançaria o que já temos. A diferença foi tão grande, tão grande, avassaladora, em todos os Estados da Venezuela, em todos os estratos, em todos os setores… Ganhamos", disse Machado.
González se tornou candidato depois que as candidaturas de Machado e de sua substituta, a historiadora Corina Yoris, foram impedidas.
María Corina Machado, porém, é vista como a figura principal na contestação a Maduro, responsável por atrair apoio para a candidatura de Edmundo González.
Em torno dos dois, gravita o apoio de opositores notórios na história recente da Venezuela, como Juan Guaidó e Henrique Caprilles.
Entenda abaixo a trajetória dos principais nomes da oposição venezuelana e a relação entre eles.
A política iniciou sua carreira há 22 anos, à frente da organização não governamental Súmate, que defende transparência eleitoral e a participação cidadã.
Seu papel foi crucial para a obtenção de mais de quatro milhões de assinaturas que abriram caminho para um referendo revogatório em 2004 contra o então presidente Hugo Chávez.
Desde então, o governo atribuiu a María Corina o papel antagônico.
Esse confronto teve momentos de pico. Um deles aconteceu em janeiro de 2012, durante o pronunciamento anual de Hugo Chávez à Assembleia Nacional.
Então deputada, Machado interrompeu o discurso do presidente e, diante de todos, proferiu a frase que ficou famosa: “Expropriar é roubar”.
De lá para cá, ela se tornou uma das lideranças mais radicais da oposição: promoveu protestos em 2017 e 2019, passou a classificar o governo como uma ditadura, rejeitou todas as tentativas de negociação com o chavismo, defendeu o uso da força para destituir Maduro e se opôs aos principais partidos da oposição, que acusou de serem “colaboradores”.
Por suas falas incendiárias e suas posições radicais, ela chegou a ser excluída do núcleo das decisões da própria liderança.
Mas a María Corina Machado atual tem se mostrado mais estratégica. Mudou seu discurso político, uniu forças e foi a vencedora das eleições internas organizadas pela Plataforma Democrática Unitária, a aliança partidária da oposição, em 22 de outubro de 2023, com 93% dos votos.
Sem carregar a bandeira dos partidos tradicionais, tornou-se a nova cara do bloco de oposição e ressuscitou um grupo que havia perdido força nos últimos anos.
Na época das primárias, Machado já tinha sido inabilitada a disputar cargos eletivos por 15 anos por suposto envolvimento com corrupção e formação de quadrilha.
Ela nega as acusações e afirma que sua desclassificação das eleições é ilegal.
O acordo selado entre a Plataforma Unitária e o partido no poder, em Barbados, uma semana antes das eleições internas, abriu a possibilidade de autorizar a participação de “todos os candidatos e partidos políticos” na corrida.
Mas nem mesmo as condições estabelecidas pelos Estados Unidos para a retirada das sanções ao petróleo, ouro e gás venezuelanos reverteram a decisão.
Machado, de 56 anos, ficou de fora do pleito. Mas não da preferência do eleitorado.
“Ninguém se importou que ela [Machado] estivesse inabilitada, porque ela capitalizou o descontentamento contra a oposição tradicional", afirma à BBC Mundo (serviço em espanhol da BBC) Eugenio Martínez, jornalista especialista na cobertura de questões eleitorais.
Diante da impossibilidade de María Corina Machado de concorrer em 2024, a oposição apontou Corina Yoris como sua primeira substituta.
Aos 80 anos, ela é filósofa e professora universitária. Como ela nunca havia ocupado um cargo político, a oposição acreditava que não correria o risco de ser desqualificada nas eleições.
Mas Yoris também não conseguiu formalizar sua candidatura devido a uma suposta falha no site do órgão eleitoral.
A coligação política da oposição afirmou que não conseguiu acesso ao sistema de registro de candidaturas para registrar Yoris antes do término do prazo dado pelo CNE.
O diplomata Edmundo González entrou então como terceira opção.
A Plataforma Democrática Unitária conseguiu inscrevê-lo no sistema eleitoral antes do final do prazo e ele foi confirmado como candidato pelo CNE no final de março deste ano.
Ex-embaixador da Venezuela na Argentina e na Argélia, González era pouco conhecido no país até então. Aos 74 anos, de perfil discreto e fala pontuada, ele nunca havia ocupado cargos públicos eletivos e nem mesmo era amplamente popular nos círculos da oposição.
Seu último cargo foi como embaixador na Argentina durante os primeiros anos da presidência de Hugo Chávez.
Mais recentemente, González trabalhou como consultor de relações internacionais e escreveu um livro sobre a história da Venezuela durante a Segunda Guerra Mundial.
Mas a entrada na corrida presidencial mudou a rotina desse avô de quatro netos e apreciador de beisebol, do Real Madrid, de churrascos e aves — como muitos moradores de Caracas, ele alimentava as guacamayas (araras) com sementes de girassol na varanda de seu apartamento todas as manhãs.
Antes da eleição, grande parte das pesquisas apontava uma vantagem confortável para González frente a Maduro, o que elevou as expectativas internamente e no exterior de uma vitória da oposição.
Talvez o nome mais conhecido da oposição no exterior seja o de Juan Guaidó.
Ele ganhou relevância na cena política venezuelana após se autoproclamar presidente do país em 2019.
Guaidó era o então presidente da Assembleia Nacional da Venezuela e se consolidou como representante da oposição afirmando ter como objetivo “conseguir o fim da usurpação, um governo de transição e ter eleições livres".
A autoproclamação de Guaidó aconteceu pouco após Maduro ser reeleito em uma eleição contestada e boicotada pela oposição em 2018.
Poucos dias depois da posse, realizada em janeiro do ano seguinte, a Assembleia Nacional, então controlada pela oposição, declarou o presidente um "usurpador" do cargo de presidente. Em seguida, o Tribunal Supremo de Justiça (TSJ), controlado por Maduro, considerou "nulos" todos os atos aprovados pelo Parlamento.
Como resposta, Guaidó e a oposição convocaram uma grande manifestação popular para 23 de janeiro de 2019.
Pela primeira vez em muitos meses, milhares de pessoas voltaram às ruas e, ao final do protesto, Guaidó se declarou presidente interino.
Sua reivindicação foi apoiada pelos EUA e por cerca de 50 países que não reconheceram a reeleição de Maduro em 2018, como o Brasil sob o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Muitas dessas nações também apoiaram a iniciativa de Guaidó de tentar entrar na Venezuela pela fronteira da Colômbia e do Brasil com comboio de caminhões com toneladas de doações internacionais.
Mas a ofensiva fracassou, e o que aconteceu foi considerado um revés para a liderança de Guaidó — que na época tinha mais de 60% de aprovação popular, segundo as pesquisas.
Apesar do apoio internacional, o opositor não conseguiu concretizar suas promessas e Maduro continuou a governar o país, com apoio das Forças Armadas e outras forças políticas internas.
Em janeiro de 2020, Guaidó perdeu a eleição para a presidência da Assembleia Nacional em uma votação marcada por discussões acaloradas e denúncias de golpe.
No mesmo ano, a oposição perdeu o controle da Casa e a reivindicação de Guaidó perdeu ainda mais apoio e legitimidade. Em dezembro de 2022, a própria oposição votou para dissolver o governo paralelo de Juan Guaidó.
Dos quatro grandes partidos da oposição que apoiaram a autoproclamação em 2019, apenas o próprio partido de Guaidó não votou para remover o líder.
Ele deixou a Venezuela em abril de 2023 para viver com a família em Miami, nos Estados Unidos, após cruzar a fronteira com a Colômbia a pé para participar de uma conferência internacional sobre a Venezuela.
O governo colombiano afirmou que Guaidó não havia sido convidado para o evento - Maduro também não recebeu convite - e que sua entrada no país havia acontecido de forma ilegal.
Alguns meses depois, o Ministério Público da Venezuela emitiu um mandado de prisão contra ele.
Segundo o procurador-geral do país, Tarek William Saab, ele teria utilizado recursos da petrolífera estatal PDVSA “para se financiar, pagar as suas despesas legais e forçou a PDVSA a aceitar os seus termos de refinanciamento”.
Guaidó nega as acusações, que diz fazerem parte de uma “máquina de promover mentiras”.
Do exterior, ele apoiou a campanha de Edmundo González e tem sustentado as alegações da oposição de uma fraude na votação do último domingo.
Outro nome da oposição que ganhou popularidade no passado foi o de Henrique Caprilles.
Assim como María Corina Machado, ele teve sua candidatura barrada em 2017 após ser impedido de ocupar cargos públicos por 15 anos.
Ele foi acusado pela Controladoria Geral da Venezuela de uma série de infrações enquanto era governador do estado de Miranda, incluindo aceitar doações, contratar sem licitação e não apresentar um projeto de lei de orçamento.
Caprilles nega as acusações.
Mas antes das eleições de 2017, o advogado já havia concorrido contra Maduro em 2013, quando, segundo os resultados oficiais, perdeu por uma pequena margem (a diferença foi de menos de 2% dos votos válidos). O candidato da oposição se recusou a contestar o resultado nas ruas.
Ele também disputou a presidência com Hugo Chávez em 2012, um ano antes da morte do ex-presidente.
Em 2008, ele já havia surpreendido muitos ao derrotar um dos aliados mais próximos de Chávez, Diosdado Cabello, e ser eleito governador de Miranda, o segundo estado mais populoso da Venezuela.
No ano passado, Caprilles se inscreveu para disputar as primárias da oposição contra María Corina Machado, mas desistiu da candidatura alegando que abriria caminho para outro competidor que não estivesse inabilitado para concorrer.
Em janeiro deste ano, a Suprema Corte da Venezuela negou uma contestação aberta pela sua defesa para rever a decisão que o tornou inelegível por 15 anos.
Ele também foi um dos apoiadores da campanha de Edmundo González e vem apoiando a contestação aos resultados da eleição de domingo.
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