A possível expansão do Brics deve ser um dos principais temas das reuniões dos chefes do Executivo dos países integrantes do bloco (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O grupo se reúne na cúpula que começa na 3ª feira (22.ago.2023), em Joanesburgo (África do Sul).
Os integrantes podem definir como, se, quando e com quais critérios novos integrantes poderão ser admitidos ao clube, uma vez que não há critérios atualmente. Listas informais de interessados incluem mais de 20 países, mas tudo é extraoficial. Hoje não há um procedimento regular e normatizado para solicitar admissão ao grupo.
De acordo com o embaixador Eduardo Paes Saboia, a expansão do bloco não é um assunto tão novo assim. “Desde 2011 discute-se como seria a interação com países de fora do bloco. Foi então observada a necessidade de se organizar e estabelecer critérios. […] Serão discutidos [durante a cúpula] critérios e princípios a serem adotados para embasar a entrada de novos integrantes no grupo”, disse o embaixador.
Brics é um acrônimo para o bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (South Africa, em inglês). A expressão original era “Bric” e foi cunhada em 2001 por Jim O’Neill, o então economista-chefe do Goldman Sachs. Na época, a África do Sul ainda não integrava o bloco. Entrou em 2010, pouco depois que a associação havia realizada sua 1ª reunião formal, em 2009.
A China tem interesse em firmar o Brics cada vez mais como contrário do G7 –grupo liderado pelos Estados Unidos e com as 7 economias mais poderosas do mundo. Brasil e Índia atuam com cautela para impedir que o bloco se torne somente um instrumento de disputa entre os chineses e os norte-americanos.
Em entrevista ao Poder360, o cientista político e pesquisador da USP (Universidade de São Paulo) Pedro Costa Júnior afirmou que a expansão do bloco é “inevitável”, entretanto, cita empecilhos para a execução.
De acordo com o pesquisador, se o grupo adere muitos integrantes, ele aumenta sua representatividade e legitimidade, mas arrisca perder seu poder de decisão. “Hoje o Brics é unânime nas suas decisões. Uma coisa é ser unânime com 5 países, com muitos interesses em comum no sistema internacional. Outra coisa é quando se coloca a mais uns 5 ou 10 países que pensam diferentes uns dos outros. Então você ganha, sem dúvida nenhuma, em representatividade, mas perde em funcionalidade”, disse.
Para Costa Júnior, o Brics pode se tornar uma espécie de “bloco-geléia” caso cresça sem critérios definidos: “O grupo pode virar um bloco grande, volumoso, mas que não sai do lugar”.
O cientista político também indica a questão de como serão estabelecidos os poderes de decisão internos com a expansão, uma vez que os 5 países fundadores atualmente têm pesos iguais em votações. “Eles vão aglutinar mais gente, de maneira que haja votos em pesos relativos? Eles vão criar uma espécie de conselho de segurança, ou seja, um clube exclusivo onde quem investe mais decide mais?“, questionou Pedro Costa Júnior.
Já a professora de relações internacionais na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) Clarissa Franzoi indicou ao Poder360 possíveis interesses chineses na expansão do Brics.
“A China está no momento de aumento da influência internacional, de grande competição com os Estados Unidos. […] A questão é: o Brics será um instrumento reforço do multilateralismo ou um instrumento de aumento da influência chinesa?”, declarou.
Com a escalada da tensão entre EUA e China, por razões comerciais e geopolíticas, Pequim tem visto o Brics cada vez mais como uma forma de se contrapor a Washington. Os chineses sempre foram grandes entusiastas do Brics, por verem o grupo como uma forma de mudar os canais de interlocução global.
Ambos os especialistas ouvidos pelo Poder360 consideram que a expansão do bloco pode também ser positiva. Para Pedro Costa Júnior, o bloco tem possibilidade de substituir o protagonismo do G7, que reúne as 7 economias mais industrializadas do mundo. Já Clarissa Fanzoi considera que o aumento de integrantes nos Brics pode significar maior força multilateral, além de “garantias mínimas de manutenção da paz no mundo”.
“O G7 perdeu muito no seu significado, sobretudo depois da crise de 2008. Ele sempre foi um clube dos ricos, mas não consegue dar as demandas necessárias para as respostas da humanidade […]. O Brics agora tem que aprender com esses erros. Não pode virar um grupo de países muito exclusivos e também precisa saber ampliar sem perder a capacidade decisória”, afirmou Costa Júnior.
Em relação à adesão ao bloco de países com economias fragilizadas, como a Argentina, o cientista político da USP avalia que pode haver uma espécie de “laboratório” para recuperação econômica aos moldes dos Brics.
“Se a Argentina entra no bloco e consegue fazer sua economia mover a partir do Brics e sair dessa crise, seria, digamos, uma experiência de ‘case de sucesso’ para dizer que quando ela entra no círculo dos Brics se tem outra realidade que será, segundo o projeto de desenvolvimento dos Brics, um maior crescimento econômico sustentável, com maior responsabilidade energética e melhor distribuição de renda. Então essa é a aposta”, afirmou Pedro Costa Júnior.
O NDB (Novo Banco de Desenvolvimento, na sigla em inglês), conhecido como Banco dos Brics, tem mais 3 integrantes além dos países fundadores: Bangladesh, Emirados Árabes e Egito. Outros 4 países já formalizaram interesse de ingresso: Honduras, Argentina, Arábia Saudita e Uruguai –este último já está em processo final de adesão.
Hoje, o NDB está sob comando da ex-presidente do Brasil Dilma Rousseff (o cargo tem ocupação rotativa e Dilma fica na cadeira até julho de 2025).
Como o NDB é um banco, um dos critérios mais concretos para entrar como integrante é fazer um depósito para se tornar sócio. Os 5 sócios iniciais depositaram US$ 10 bilhões cada um para formar a instituição. Bangladesh entrou com US$ 942 milhões. Egito, com US$ 1,196 bilhão. E Emirados Árabes com US$ 556 milhões. Esses dados estão no site oficial do Banco dos Brics em agosto de 2023, como mostra a imagem a seguir:
A cúpula realizada nesta semana também deve abordar a criação de uma moeda comum para transações do bloco. O assunto é defendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em maio, o presidente disse sonhar com o câmbio comum entre os países. “Eu sonho com que a gente tenha uma moeda entre os nossos países para podermos fazer negócios sem precisar depender do dólar. […] Eu sonho que os Brics possam ter uma moeda. Então penso que temos que avançar”, afirmou Lula.
Para Pedro Costa Júnior, é uma mudança possível, mas que será um movimento de longo prazo. “A ideia é uma moeda multipolar. Isso seria uma nova era, no sentido de uma nova arquitetura financeira mundial. […] Essa é uma discussão complexa, mas o trem já partiu da estação. A discussão já existe e está em andamento”, afirmou.
Esta reportagem foi produzida pelo estagiário de jornalismo Lucas Cardoso sob supervisão do editor-assistente Ighor Nóbrega.