Por 13 votos a favor, nenhum contra e as abstenções de Estados Unidos e Rússia, o Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, nesta sexta-feira (22/12), uma resolução que "exige a todas as partes que autorizem e facilitem a entrega imediata, segura e sem obstáculos de assistência humanitária em grande escala" à população civil da Faixa de Gaza. A resolução nº 2.720 também ordena a criação das "condições para um cessar-fogo duradouro das hostilidades".
O documento solicita ao secretário-geral, António Guterres, a nomeação de um coordenador humanitário e de reconstrução para atuar na facilitação, no monitoramento e na verificação da situação em Gaza. O chanceler de Israel, Eli Cohen, desafiou o texto e avisou que seu país "continuará a atuar de acordo com o direito internacional e a monitorar toda a ajuda humanitária que chegar a Gaza, por motivos de segurança".
"A decisão do Conselho de Segurança sublinha a necessidade de garantir que a ONU se torne mais eficiente na transferência da ajuda humanitária e de garantir que ela chegue ao destino e não acabe nas mãos dos terroristas do Hamas", escreveu o ministro das Relações Exteriores israelense. Por sua vez, o movimento fundamentalista islâmico Hamas classificou a resolução como "insuficiente", por não responder à "situação catastrófica criada pela máquina de guerra sionista".
Na quinta-feira (21/12), o Ministério da Saúde, controlado pela facção extremista, anunciou que o número de palestinos mortos nos bombardeios chegou a 20 mil. Enquanto a ofensiva militar aérea e terrestre prosseguia no sul, Israel anunciou que disparos de foguetes a partir do Líbano mataram um soldado e feriram gravemente outro perto da fronteira entre os dois países, no norte.
No campo de refugiados de Nuseirat, situado no centro da Faixa de Gaza, o médico Hazem Abu Moloh, 49 anos, comemorou a decisão do Conselho de Segurança da ONU. "Nós buscamos a aprovação de qualquer resolução para deter a guerra. As pessoas estão morrendo de fome", admitiu ao Correio, por meio do WhatsApp. "A situação humanitária é ruim. Não temos eletricidade algumas vezes, nem internet ou telefone. As redes de telecomunicações não funcionam. Além disso, a comida está muito cara."
Lenha
Tudo o que Abu Moloh espera é a vida normal de volta. "Queremos que nossos filhos retornem à escola e à universidade. Queremos paz, depois desta guerra pesada. Precisamos de uma solução para esta situação em Gaza", desabafou o médico. De acordo com ele, os moradores de Nuseirat se veem obrigados a esperar até duas semanas pelo caminhão com botijões de gás. "Temos usado lenha para preparar as refeições e nos alimentado apenas uma vez por dia", contou. A água é armazenada em um grande tanque e consumida duas ou três vezes, em uma escala diária.
Sob condição de anonimato, outro morador da Faixa de Gaza disse à reportagem que foi obrigado a fugir em direção ao sul. "Minha família foi forçada a se dividir. Cada membro buscando segurança, em meio à caótica paisagem da guerra. Estamos sem eletricidade ou gás de cozinha. Estamos vivendo dentro de uma sala de aula, com outras pessoas deslocadas. A farinha tornou-se ouro e ficou escassa. Pessoas estão morrendo, famintas, por aqui", relatou. Ele acrescentou que muitos produtos não podem mais ser encontrados. "Os preços das mercadorias disponíveis são muito caros. Se você não tem dinheiro, você está condenado nessas circunstâncias. Dependemos, principalmente, de alimentos enlatados provenientes de ajuda humanitária enviada por nações vizinhas."
Ex-diretor executivo da Human Rights Watch (HRW) e professor visitante da Faculdade de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Princeton, Kenneth Roth concorda que o governo israelense possui preocupações legítimas em assegurar que armas não sejam contrabandeadas para o Hamas, sob o disfarce de carregamentos humanitários. No entanto, sustentou ao Correio que as inspeções nos postos fronteiriços têm sido demasiado lentas, permitindo que muito menos assistência humanitária chegue aos palestinos do que eles desesperadamente precisam. "Muitas nações propuseram que a ONU assuma as inspeções, mas Israel não concorda e é respaldado pelos EUA. Por isso, a resolução do Conselho de Segurança estabelece um 'coordenador' da ONU para a ajuda, mas não lhe confere autoridade para aprovar a ajuda", comentou Roth.
"Mesmo depois da guerra, Israel vai fotografar cada um dos caminhões que entrarem em Gaza pelas passagens de Kerem Shalom e outras. Isso não é algo novo. Inspeção é inspeção. Mas Israel tem que deixar entrar comida e suprimentos médicos para nós, palestinos. Esse processo precisa ser rápido. Antes da guerra, centenas de caminhões ingressavam em Gaza todos os dias. Precisamos de medicamentos e de alimentos."
Hazem Abu Moloh, 49 anos, médico, morador do campo de refugiados de Nuseirat (centro de Gaza)
"Mais pressão internacional"
"Apenas uma pequena porcentagem das necessidades humanitárias desesperadas da população de Gaza está sendo cumprida. A nova resolução do Conselho de Segurança da ONU intensifica a pressão sobre o Exército israelense para permitir 'pausas e corredores humanitários prolongados', para permitir a entrada de ajuda humanitária. No entanto, não exige a cessação imediata das hostilidades.
Infelizmente, isso ainda permite ao governo de Israel ter bastante margem de manobra para continuar a usar o sofrimento e a fome dos civis palestinos como armas, embora isso seja um crime de guerra. A bola, agora, está com o governo Biden. Ele deve pressionar Israel a pôr fim à punição coletiva imposta aos civis palestinos, inclusive usando a influência proporcionada pelo condicionamento ou pela interrupção de ajuda militar norte-americana e da venda de armamentos.
Karim Khan, procurador do Tribunal Penal Internacional, também ameaçou apresentar acusações de crimes de guerra se o governo israelense continuar a impedir a ajuda humanitária aos civis palestinos. A despeito de uma forte declaração, ele ainda não agiu."
Kenneth Roth, ex-diretor executivo da Human Rights Watch (HW) e professor visitante da Faculdade de Assuntos Públicos e Internacionais da Universidade de Princeton