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Michael Shuval
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BBC Arabic
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O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e seu oponente político, Benny Gantz, caminharam juntos para uma pequena sala de conferências e sentaram-se lado a lado.
Quatro dias haviam se passado desde que o Hamas lançara um ataque sem precedentes a Israel, matando mais de 1.400 pessoas e levando pelo menos 239 reféns para a Faixa de Gaza.
Mas isso foi antes de a magnitude das atrocidades ser totalmente compreendida.
Os dois políticos tinham acabado de formar um gabinete de guerra emergencial e encaravam a nação juntos pela primeira vez, ombro a ombro.
Foi uma forma de unidade exigida por muitos israelenses, após meses de protestos generalizados e de uma das fases políticas mais divisivas da história do país.
O novo governo enviou uma mensagem clara de solidariedade à nação e aos adversários do país, mas não incluiu todas as principais figuras da oposição.
O líder do maior partido da oposição, Yair Lapid, recusou-se a aderir depois de Netanyahu ter rejeitado apelos para romper com os dois partidos de extrema-direita de sua coligação.
Desde então, os bombardeios de retaliação de Israel a territórios palestinos já mataram mais de 9 mil pessoas, segundo o Ministério da Saúde gerido pelo Hamas em Gaza.
Unindo forças
O tenente-coronel Ron Sharf estava no aeroporto de Dubai esperando um voo de conexão com sua esposa e três filhos quando o Hamas invadiu os kibutzim (plural de kibutz) e cidades israelenses. Era o último dia de um longo feriado judaico e as férias em família estavam chegando ao fim.
"As mensagens de WhatsApp começaram a chegar por volta das 6h30", conta Sharf, comandante aposentado de uma das unidades de elite do exército israelense.
Sharf, que cofundou os Irmãos em Armas — um grupo de reservistas israelenses que protestam contra as controversas reformas do governo para mudar a forma como o sistema judicial do país funciona —, entrou em um telefonema.
"Às 8h, depois de uma conferência por Zoom com os outros líderes dos Irmãos em Armas, emitimos um comunicado convocando a todos para se apresentarem ao serviço imediatamente e sem hesitação", diz.
O serviço militar é obrigatório para a maioria dos israelenses quando completam 18 anos.
Os homens têm que cumprir 32 meses e as mulheres, 24.
Depois disso, a maioria pode ser convocada para unidades de reserva até os 40 anos, ou até mais, em caso de emergência nacional.
O lançamento das reformas governamentais no início do ano havia dividido o país, levando às ruas centenas de milhares de israelenses, que temiam prejuízos à democracia.
Fim do Podcast
"Muitos membros dos Irmãos em Armas, em todos os ramos das forças armadas, suspenderam seu voluntariado para o serviço de reserva devido à legislação governamental", explica Sharf, que é um importante líder no movimento de protesto, acrescentando: "O contrato entre o Estado e os soldados fora violado."
Mas, para Sharf, a situação agora era diferente.
"Quando vi o vídeo de dois terroristas dirigindo uma picape em Sderot [cidade fronteiriça próxima ao norte de Gaza], compreendi que algo muito incomum estava acontecendo."
"Nossos reservistas foram imediatamente enviados para suas unidades. Aqueles que não foram convocados para o serviço se juntaram a um centro de comando civil que abrimos em poucas horas em Tel Aviv."
Agora, a organização criada para protestar contra o governo estava, na verdade, liderando os esforços de socorro.
"Removemos e resgatamos sobreviventes, transportamos soldados e equipamentos para as unidades, fornecendo refeições quentes às forças."
"Criamos um órgão que dava apoio às famílias enlutadas. Ajudamos a encontrar moradia para pessoas que fugiram de suas casas e administramos uma sala de guerra, que ajudou famílias de pessoas desaparecidas a encontrar informações sobre seus entes queridos."
Sharf reconhece que os israelenses têm dúvidas sobre a liderança do primeiro-ministro, mas diz que agora não é o momento para debate.
"Eles estão furiosos com o fracasso em evitar o ataque e ansiosos por fazer tudo o que estiver ao seu alcance para ajudar o país", diz o tenente-coronel.
"Não estamos esquecendo o que aconteceu. Haverá um momento certo para exigir respostas, um momento certo para exigir responsabilização. Mas, agora, este país precisa se unir e se recuperar, uma vez que as forças de segurança estão no meio da guerra."
Mas algumas pessoas são menos pacientes.
'Netanyahu é inapto'
Muitos israelenses exigem respostas imediatas e questionam a capacidade do primeiro-ministro Netanyahu para liderar o país nestes tempos difíceis.
Três semanas após o início do conflito entre Israel e Gaza, Netanyahu escreveu na rede social X (antigo Twitter) que "não recebeu um aviso" da intenção de guerra do Hamas.
"Pelo contrário", escreveu ele, "todos os oficiais de segurança, incluindo o diretor do ramo de inteligência das FDI [Forças de Defesa de Israel] e o diretor da Agência de Segurança de Israel, avaliaram que o Hamas está enfraquecido e deseja chegar a um acordo".
A reação foi rápida, dura e transcendeu os diferentes campos políticos.
Netanyahu foi visto como alguém que estava jogando a culpa para os órgãos de segurança do país durante uma guerra.
O primeiro-ministro apagou a postagem algumas horas depois e pediu desculpas, mas o estrago já estava feito.
Muitas pessoas em Israel pensam que Netanyahu estava tentando transferir responsabilidades e evitar repercussões posteriores.
Eyal Waldman ficou enojado com a postagem do primeiro-ministro e acha que Netanyahu deveria renunciar imediatamente.
"Ele está culpando a todos, menos a si mesmo", diz o empresário israelense.
Netanyahu também enfrentou críticas dentro de seu próprio partido pela publicação.
Waldman fundou a Mellanox, uma das empresas tecnológicas mais bem-sucedidas de Israel, contratando cerca de duas dúzias de palestinos num centro de desenvolvimento na Faixa de Gaza, antes de vender a empresa.
Ele estava de férias no Sudeste Asiático quando recebeu a notícia de que sua filha Danielle, de 24 anos, e o parceiro dela, Noam Shai, estavam no festival de música Supernova Universo Paralello durante o ataque do Hamas.
Waldman correu para o local do festival, armado e preparado para tomar todas as medidas necessárias para localizar Danielle.
"O Hamas controlava mais de 20 das nossas comunidades", explica ele. "Nosso exército estava sobrecarregado. Eu não podia contar com ninguém. Queria salvar minha filha."
"Rastreamos o carro dos amigos deles. Estava cheio de balas. Eu ainda tinha esperança de que ela estivesse viva, escondida em algum lugar. Eu estava disposto a aceitar que ela foi sequestrada e mantida em Gaza."
Mas dois dias depois, veio uma batida na porta e lhe disseram que sua filha estava morta.
"Eles mataram, mutilaram e torturaram pessoas. Saquearam e sequestraram. Devemos destruir completamente o Hamas e a Jihad Islâmica Palestina", defende Waldman. "Não podemos parar até que eles sejam erradicados, exatamente como o Ocidente fez com o Estado Islâmico."
Danielle e Noam foram enterrados lado a lado. Mais de 270 pessoas morreram no ataque ao festival de música.
"Empreguei palestinos em Gaza, Hebron e Rawabi", reflete Waldman. "Doei fundos para um hospital de campanha em Gaza. Liderei uma iniciativa de paz israelo-palestina. Fiz muitas coisas na tentativa de preencher uma lacuna."
"Não faz sentido continuarmos a nos matar uns aos outros. Os palestinos também precisam compreender isso. Faremos a paz, mas primeiro temos de destruir o Hamas e vencer a guerra."
Mas ele não acredita que o primeiro-ministro Netanyahu seja a pessoa certa para o cargo.
"Os israelenses estão unidos em apoio aos militares, mas não em apoio ao primeiro-ministro. Netanyahu é inapto", afirma.
'A unidade está com Netanyahu'
Netanyahu, que é chamado de "Rei Bibi" por seus mais fiéis apoiadores, é o líder mais longevo de Israel, tendo ocupado o cargo seis vezes – mais do que qualquer outro primeiro-ministro na história do país.
Em sua reeleição em novembro de 2022, seu partido Likud formou uma coligação com o partido de extrema direita Sionismo Religioso, tornando seu governo o mais à direita da história de Israel.
Anshel Pfeffer, jornalista do jornal Haaretz, diz que os resultados eleitorais apenas expuseram o que já era uma tendência clara.
"Há uma guerra interna identitária ou cultural em Israel, entre o que algumas pessoas considerariam os lados mais liberais e abertos da sociedade israelense, versus os lados mais religiosos e extremos da sociedade israelense e judaica", observa.
"Isso não é realmente novo, mas [Netanyahu] intensificou isso para seus próprios propósitos políticos."
Sara Haetzni-Cohen, que dirige o movimento Minha Israel, uma ONG pró-sionista, que tem por objetivo explicar a perspectiva de Israel ao mundo, acredita que os israelenses não deveriam concentrar suas atenções em Netanyahu neste momento.
"Todos terão de pagar o preço, todos. Os líderes do escalão político e os diretores dos órgãos de segurança. Mas agora temos de nos concentrar em vencer", diz.
Ela afirma que apoia o governo de unidade.
"Gostaria que mais pessoas aderissem. Um governo que carece de ampla legitimidade pública, como o governo anterior de Netanyahu, não pode liderar esta guerra", diz.
Haetzni-Cohen descarta a possibilidade de troca de governo.
Ela diz que figuras importantes da oposição, como Benny Gantz e Gadi Eisenkott, que se juntaram ao gabinete de guerra após o ataque de 7 de outubro, serviram como chefes das FDI em governos anteriores e, portanto, partilham a responsabilidade por qualquer falha de política.
"Eles tinham a mesma concepção em relação a Gaza. Quando Gantz foi ministro da Defesa no governo de Bennett, ele permitiu que palestinos de Gaza trabalhassem nos campos agrícolas israelenses. Sabe-se agora que alguns forneceram informações de inteligência para o Hamas."
Isto foi dito à BBC pela Agência de Segurança de Israel, Shin Bet.
Haetzni-Cohen admite: "Netanyahu é responsável. Ele falhou e terá de encerrar sua carreira política."
Mas acrescenta: "Ele desempenha um papel fundamental no governo de unidade. Afastá-lo significaria perder o apoio de alguns israelenses. Um governo de unidade é incrivelmente importante no momento, e a unidade está com Netanyahu."
O jornal de circulação nacional Maariv realizou uma pesquisa que mostrou que 80% dos israelenses acreditam que o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu deve assumir a responsabilidade pelas falhas de segurança expostas pelo ataque do Hamas.
E revelou que, se as eleições fossem realizadas hoje, uma aliança centrista de partidos de oposição liderada por Benny Gantz conseguiria a maioria.
Estas conclusões parecem ir na contramão da forma como a maioria dos líderes são avaliados em tempos de guerra. Por exemplo, o índice de aprovação do então presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, aumentou nas semanas que se seguiram aos ataques de 11 de setembro.
Em outra sondagem realizada pelo Maariv, em 27 de outubro, quando questionados se os militares deveriam escalar imediatamente para uma ofensiva em grande escala por terra, quase metade dos questionados disse que seria melhor aguardar.
Os israelenses debatem agora se uma ofensiva terrestre em Gaza é a medida correta, incluindo as famílias daqueles que são mantidos como reféns pelo Hamas.
Hadas Kalderon, de Nir Oz, sobreviveu ao ataque do Hamas ao kibutz em 7 de outubro barricando-se em seu quarto seguro.
Seu filho de 12 anos e a filha de 16 estavam hospedados com o pai algumas casas adiante quando o Hamas invadiu a casa deles e sequestrou os três.
Em reuniões com líderes europeus e em entrevistas à imprensa local e estrangeira, Kalderon exige que os reféns sejam a prioridade máxima.
"Suspender todas as atividades militares. Este é o único objetivo que temos hoje: trazer e salvar as crianças e os reféns", pediu ela ao governo.
"Negociar a libertação deles, não importa quem esteja do outro lado. Este é o inimigo que temos."
O Hamas e outros palestinos mantêm reféns 242 israelenses e pessoas de outras nacionalidades. O primeiro-ministro Netanyahu diz que uma ofensiva terrestre abre possibilidades para a libertação dos reféns.
Mas os israelenses estão divididos.