Embora possa parecer uma contradição, em meio à crise das mudanças climáticas, a produção mundial de petróleo aumentará nesta década, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE).
Os especialistas projetam que nos próximos anos o mercado internacional continuará demandando uma maior quantidade de petróleo bruto, embora antes do final desta década a tendência deva seja invertida, à medida em que as energias renováveis ganham espaço sobre os combustíveis fósseis.
Enquanto isso não acontecer, o ouro negro continuará girando os motores da economia internacional.
Nesse contexto, a AIE estima que a produção mundial de petróleo aumentará em 5,8 milhões de barris por dia até 2028 — e cerca de um quarto dessa oferta adicional virá da América Latina.
Quem serão os protagonistas desse novo boom? Brasil, Guiana e, em menor escala, Argentina, três países que lideram um novo capítulo na produção de petróleo da região.
Deve ficar para trás a era dominada por nações como Venezuela, México, Equador e Colômbia que, por motivos diversos, reduzirão a oferta de petróleo bruto no mercado internacional nos próximos cinco anos, segundo a AIE.
“É muito difícil para esses países reverter seu declínio”, disse à BBC News Mundo Francisco Monaldi, diretor do Programa Latino-Americano de Energia do Instituto Baker Institute, na Universidade Rice (nos Estados Unidos).
Juntos, Guiana e Brasil serão os principais protagonistas do boom petrolífero latino-americano.
A história do Brasil está ligada às descobertas subaquáticas.
Sob três quilômetros de água e mais cinco de rocha e sal, o país extrai a fonte de combustível de um dos maiores campos de petróleo do mundo.
A descoberta dessas jazidas do pré-sal mudou o destino do país, fazendo com que se tornasse o maior produtor de petróleo da América Latina em 2017, superando o México, que na época detinha a liderança.
A Venezuela, que durante anos foi o ícone do petróleo na região, estava em um momento de uma crise tão profunda que sua produção havia entrado em colapso.
Assim, nos últimos seis anos, o Brasil não parou de aumentar sua produção de petróleo até atingir 2,2 milhões de barris em 2022, o que lhe permitiu se tornar o oitavo maior produtor do mundo.
Mas não se trata apenas da quantidade de barris por dia que cada país produz. Tanto o Brasil quanto a Guiana produzem petróleo bruto de forma mais eficiente e lucrativa que outros países.
E quanto aos efeitos poluentes desse combustível fóssil, que é uma das principais causas da crise climática que o mundo vive, os dois países emitem uma quantidade menor de CO2 por barril produzido em relação à média mundial, argumenta Monaldi.
Como muitos países se comprometeram a reduzir seu nível de emissões, é possível que no futuro esse tipo de óleo tenha uma demanda maior no mercado.
João Fellet tenta entender como brasileiros chegaram ao grau atual de divisão.
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Com cerca de 800 mil habitantes, a Guiana é um dos menores e mais pobres países da América do Sul. Ou pelo menos era assim até 2015, quando a gigante norte-americana ExxonMobil descobriu a primeira de suas reservas comprovadas de petróleo bruto, estimadas em cerca de 11 bilhões de barris, nas profundezas do Oceano Atlântico.
Aproveitando a forte demanda por petróleo que haverá nesta década, a produção da Guiana está em aceleração e acredita-se que até 2028 possa chegar a 1,2 milhão de barris por dia.
Se as projeções se concretizarem, "a Guiana vai se tornar o país que mais produz barris por habitante no mundo, superando o Kuwait", explica Monaldi.
Nesse cenário, a Guiana passaria de um país pobre a um país rico (considerando a riqueza per capita), dado o aumento espetacular de seu Produto Interno Bruto (PIB) — que no ano passado subiu 57,8% e este ano está previsto para 37,2 %.
Como será distribuída essa nova riqueza da Guiana? Isso é algo incerto até agora. O governo afirmou que tentará evitar os erros cometidos por outros países petrolíferos no passado, embora com tanta riqueza jorrando do fundo do mar não seja fácil controlar o destino dos recursos gerados.
Em terceiro lugar está a Argentina, que apesar de ter uma inflação superior a 100% ao ano e uma crise crônica de endividamento, sua produção de petróleo (e gás) tem crescido nos últimos anos.
No centro desse desenvolvimento está o Vaca Muerta, um gigantesco campo localizado no noroeste do país que possui a segunda maior reserva do mundo em gás de xisto e o quarto maior em óleo de xisto.
Ambos os recursos são extraídos em formato “não convencional”, como se chama os hidrocarbonetos que devem ser extraídos da rocha geradora pela técnica do fracking (ou fratura hidráulica).
As projeções para o desenvolvimento da indústria do petróleo argentina são positivas.
A AIE espera que a produção chegue a 700 mil barris por dia este ano e algumas estimativas sugerem que pode chegar a 1 milhão de barris por dia até o final desta década, segundo a consultoria Rystad Energy.
No entanto, após 2030, as projeções apontam para um declínio porque a produção de petróleo convencional deverá continuar caindo e a produção de xisto não deverá ser suficiente para compensar.
Se o cenário previsto se concretizar, o grande salto do comércio de petróleo duraria alguns anos, até chegar a níveis mais baixos de produção.
Também é preciso levar em conta, dizem os especialistas, que a produção não convencional precisa de grandes investimentos de longo prazo. Isso exige garantia de estabilidade nas políticas do setor, algo que na Argentina é difícil de prever.
Os líderes históricos da produção de petróleo na região ficaram para trás.
No México, a produção atingiu o pico em 2004 e, desde então, caiu pela metade.
Para tentar melhorar a situação, o governo de Andrés Manuel López Obrador tentou promover o desenvolvimento da Pemex, a estatal petrolífera, mas até agora não conseguiu os resultados esperados.
Embora o governo tenha dado à empresa milhões de dólares em incentivos fiscais e outras ajudas financeiras, a Pemex não conseguiu se recuperar.
Com mais de US$ 100 bilhões (cerca de R$490 bilhões) em dívidas, a Pemex é a empresa de petróleo mais endividada do mundo.
"Além de ser uma empresa com fins comerciais, ela também opera com fins políticos", diz Diego Rivera, pesquisador associado do Centro de Política Energética Global da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos. "A produção parou."
Por sua vez, a PDVSA, empresa estatal venezuelana, teve uma forte queda, intimamente ligada à profunda crise econômica e política que afeta o país.
A produção de petróleo venezuelano, a maior parte pesada e densa, despencou de 3,4 milhões de barris por dia em 1998 para 700 mil na atualidade.
“O que está acontecendo na Venezuela é uma queda brutal que pode ser explicada por motivos que vão da negligência à corrupção”, destaca Rivera.
Enquanto isso, no caso do Equador, projeções de especialistas apontam para uma queda dos atuais 460 mil barris por dia para 370 mil em 2028.
Esse declínio atingiria duramente o país porque sua economia depende das receitas do petróleo mais do que qualquer outro país da América Latina.
Enquanto isso, a Colômbia está se movendo em outra direção. O governo do presidente Gustavo Petro pretende avançar na transição energética do país, reduzindo gradativamente a produção de petróleo.
Recentemente, foram concedidas licenças para projetos de energia renovável na província de La Guajira, com a expectativa de que a energia limpa produzida por aquela região forneça toda a eletricidade que o país necessita.
A ideia é que esse tipo de projeto permita compensar a queda nas exportações de petróleo sem prejudicar a economia, mas alguns especialistas estão bastante céticos sobre a possibilidade dessa meta ser alcançada nos próximos anos.
Por enquanto, não se sabe com que rapidez avançará a transição energética na região e até que ponto o mundo demandará petróleo a partir da próxima década.
“Mas há muitos fatores que não podem ser controlados”, alerta Rivera, como, por exemplo, a invasão da Ucrânia pela Rússia ou pandemias.
“O que temos certeza é que a transição energética será confusa, complicada e com muita volatilidade”, acrescenta.
Mas, se as projeções da AIE para 2028 forem cumpridas, faltam poucos anos para que o pico de demanda termine, dando lugar a um novo cenário na produção mundial de energia.
Para o período 2030-2050, o destino da América Latina estará intimamente ligado ao que ocorrer com a demanda dos mercados internacionais.
Se o mundo atingir a meta de zero emissões líquidas até 2050, "a região vai se sair muito mal", diz Monaldi.
Mas se formos ao outro extremo, ao cenário previsto pela Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), em que há um platô na demanda em vez de queda, "a América Latina se sairia muito bem, porque é a região com mais recursos petrolíferos do mundo, depois do Oriente Médio”, diz o especialista.