Três corporações gigantes – Alphabet, Meta e Apple – estão prestes a controlar a publicidade no Ocidente. Suas mensagens são repetidas a exaustão. Sua lógica é a da infantilização extrema. Elas alegam que tudo é apenas “informação gratuita”
Por Ladislau Dowbor em sua página | Tradução: Maurício Ayer, do Outras Palavras
A narrativa é a de que eles nos veiculam suas mensagens para melhor nos servir. Se estamos assistindo a um filme, ele é interrompido com alguma mensagem ensaboada, que vem junto com a lábia de que eles estão “nos oferecendo” esse filme gratuitamente. Nada disso é grátis, claro, pois os custos estão incluídos nos produtos que compramos. Pagamos a eles para colocarem a mensagem publicitária na mídia. Precisamos disso? Os fundamentos econômicos disso tudo é que pagar diretamente a quem faz os produtos culturais nos permitiria ter uma cultura melhor a custos muito mais baixos.
Na França, as famílias pagam uma taxa de 138 euros por ano para ter excelentes programas de TV sem publicidade, eventos culturais, shows, notícias e tantos produtos necessários ao mundo da comunicação. Na Inglaterra, a taxa corresponde a 180 euros. E com isso temos a BBC e outros produtos culturais, informação e entretenimento de primeira qualidade. Mas o presidente francês, Emmanuel Macron, está insinuando que irá eliminar a taxa, chamada de redevance¸ para incluir os custos no orçamento público. O ex-primeiro ministro britânico, Boris Johnson, programou a eliminação do financiamento a partir de 2027. O que isso significa é que a cultura e a comunicação vão depender muito mais das oscilações do orçamento… e principalmente que o que resta da cultura gerada pelo público estará nas mãos das corporações, por meio da publicidade.
A indústria da captura de atenção se tornou gigante. Como passamos boa parte de nossas vidas assistindo a algum tipo de tela, a missão de nos segurar pelos olhos gerou uma indústria extremamente eficiente e lucrativa. Em primeiro lugar, expandiu o consumismo a um nível patológico, a última coisa de que precisamos nesta explosiva catástrofe ambiental em câmera lenta. Na publicidade, não somos informados sobre produtos e serviços, devemos é nos encantar com belas moças sorridentes, vozes suaves e cheias de intimidade, ou vozes que gritam para nos alertar sobre uma oportunidade instantânea que não podemos perder, mas principalmente por meio repetições incessantes – de novo, de novo e de novo, como se fôssemos idiotas incapazes de entender a mensagem. E nós estamos pagando por isso.
As corporações insistem que devem mostrar seus produtos e difundir sua mensagem. Isso é legítimo, mas não preciso que a Monroe me informe centenas de vezes no rádio que eles são os primeiros em produção de amortecedores, interrompendo um programa. Se eu precisar de amortecedores, vou pesquisar na internet ou, melhor, consultar meu mecânico. E ele não precisa desse tipo de publicidade, ele consultará publicações especializadas. Publicidade e informação sobre produtos não se confundem. O nome de uma marca é martelado incessantemente por diferentes mídias, e pesquisas caras informarão às campanhas publicitárias como o reconhecimento da marca está aumentando. Mas precisamos disso?
Melhora as vendas? Bem, se uma marca de cerveja investe pesado em publicidade, com spots mostrando machos muito felizes bebendo cerveja, empolgados com algum jogo exibido na TV e charmosas pernas femininas circulando, a marca venderá mais. Mas as outras marcas vão recorrer a uma contra-ofensiva para não perder mercado. O resultado é uma cacofonia, custos enormes que estão incluídos no preço da cerveja que pagamos e mais guerras comerciais pela frente. Eu gosto de assistir a futebol. Preciso desses anúncios estúpidos, das interrupções e do estilo de vida tolo que está implícito nos comerciais? Bem, eles dizem que é grátis!
Nos EUA, Amazon, Google e Facebook controlam 50% do negócio de publicidade, cerca de 250 bilhões de dólares. “Os EUA abrigam alguns dos maiores gastadores de publicidade do mundo. Apesar de um declínio devido à pandemia de covid-19, os gastos com publicidade nos EUA somaram pouco mais de US$ 225 bilhões em 2020. O trio-pólio de anúncios da Big Tech faturou cerca de US$ 120 bilhões e está conquistando mais participação de mercado a cada ano. Uma razão para isso é a mudança do setor em direção aos anúncios digitais, que agora representam quase dois terços de todos os gastos com anúncios. Empresas de Big Tech como Google e Facebook são bem conhecidas por sua atuação direta no espaço publicitário. No entanto, a inclusão da Amazon pode surpreender de algum modo. Normalmente conhecida por seus negócios de comércio eletrônico, a Amazon agora também fatura mais de US$ 16 bilhões em receita de anúncios a cada ano.”1 Sim, pagamos por tudo isso, toda vez que compramos praticamente qualquer produto. Nós os pagamos para interromper o que estamos fazendo ou assistindo, para nos dizer o que devemos comprar ou para nos convencer de que não poderíamos viver sem aquilo.
Em escala mundial, o Facebook (Meta) atinge 2,9 bilhões de usuários, e 97,5% de sua receita vem de publicidade. A fortuna de Zuckerberg está incluída em todos os preços extras que pagamos.2 E os anúncios direcionados que penetram em todas as atividades são de uma eficácia simples: isso não é informação sobre produtos e serviços, é manipulação.
“Facebook, Google, Apple e Amazon evitam impostos, esmagam a concorrência e violam a privacidade, dizem as queixas. Seus algoritmos inescrutáveis determinam o que vemos e o que sabemos, moldam opiniões, estreitam visões de mundo e até subvertem a ordem democrática que os gerou. Em 2018, um ‘Techlash’ (reação contra as gigantes da tecnologia) está a todo vapor. Há um amplo consenso de que algo deve ser feito em relação às Big Techs… Seja a função ‘clientes que compraram isso também compraram’ da Amazon ou os atraentes pontos vermelhos ou laranjas de ‘novidade’ nos ícones de aplicativos para smartphones, os produtos das Big Techs não são apenas bons, na verdade são sutilmente projetados para nos controlar, até mesmo para nos viciar – para nos agarrar pelos olhos e nos manter ligados lá. O resultado é a economia da atenção, cuja moeda são os dados.”3
Quanto de marketing pagamos ao comprar um produto? “A Johnson & Johnson é outra marca mundialmente famosa que fabrica medicamentos, produtos de higiene e equipamentos médicos. Hoje, este é um dos mercados mais competitivos. Assim, em 2017, a empresa gastou 27,7% de sua receita em marketing.”4 Isso é uma coisa gigantesca. Como no exemplo da cerveja que usamos acima, todos os outros fabricantes devem seguir esse investimento, para não perder participação de mercado. Pagamos por uma guerra de marketing, com mensagens idiotas repetidas aos milhares, e com um custo para todos. Eles poderiam usar esse dinheiro para pesquisa e produtos mais baratos. Trata-se de saúde, e o que é necessário é melhor informação, não marketing. A educação segue o mesmo caminho: “O setor educacional também não vive sem marketing. Hoje todos conhecemos a Harvard, a Oxford ou Yale, não apenas por sua história ou pela qualidade de sua educação. Em primeiro lugar, todas essas instituições investem em sua própria promoção.”
Os resultados financeiros tornam-se centrais. A Strayer Education (Strategic Education Inc.) gastou 18,2% de sua receita em publicidade em 2017. Ela detém o quinto maior volume de empréstimos estudantis dos EUA. De acordo com informações da Wikipedia, “em 2021, os principais acionistas da Strategic Education são BlackRock, T.Rowe Price e Vanguard Group”. BlackRock e Vanguard Group administram US$ 17 trilhões. O PIB dos EUA é de US$ 21 trilhões e o orçamento do presidente Joe Biden é de US$ 6 trilhões. Educação orientada para o acionista, bem como para as dívidas estudantis. Trata-se apenas de negócios, mas… com o poder das plataformas modernas – e um poder de alcance radicalmente novo.
Enrique Dans vai direto ao ponto:
“Por que alguém iria querer banir um tipo de publicidade que deu origem a uma indústria de bilhões de dólares? Fundamentalmente, porque suas premissas são erradas, abusivas e insustentáveis. A essa altura, qualquer um que use a internet sabe que a ideia de que tudo o que fazemos online seja monitorado – para que nossas atividades possam ser analisadas e sejamos bombardeados com publicidade hipersegmentada – é uma má ideia.”5
De acordo com o Relatório de Economia Digital 2021 da UNCTAD, “essas empresas têm uma vantagem competitiva de dados resultante de seu componente de plataforma, mas não são mais apenas plataformas digitais. Elas se tornaram corporações digitais globais de alcance planetário, com enorme poder financeiro, de mercado e tecnológico. E controlam grandes quantidades de dados sobre seus usuários” (p.10). Devemos “reconhecer que as atuais instituições globais foram construídas para um mundo diferente, que o novo mundo digital é dominado por bens intangíveis e que novas estruturas de governança são necessárias” (p.18).6
A indústria da atenção está bombando. Precisamos disso? Gera empregos, mas os empregos devem ser criados para gerar bens e serviços úteis, sem adicionar custos a eles. Criamos uma cultura em que o ato de comprar deve gerar a recompensa, mais do que o produto. Bem, isso gera “vendas de garagem”. O fato é que não preciso ser assaltado com mensagens sobre coisas de que não necessito, enquanto as coisas de que necessito não preciso que sejam anunciadas. É simples assim. E o enorme dinheiro que gastamos em publicidade esgota a capacidade criativa de tantos profissionais que poderiam estar produzindo rica cultura e entretenimento para todos, em vez de atender corporações. Um enorme desperdício de talento.
O artigo de Merehead citado acima resume:
“Hoje, simplesmente não faz sentido alocar enormes orçamentos de bilhões de dólares. Até mesmo líderes de mercado, da Coca-Cola à Nike, cortaram seus custos de publicidade. Por quê? O consumidor começou a se interessar pelo produto por conta própria. Ele não precisa enfiar na cabeça que esta ou aquela empresa existe. Em busca de alternativas, ele ainda descobre algumas oportunidades.”
Uma publicação clássica sobre o assunto é The Overspent American: Why We Want What We Don’t Need (1998), de Juliet Schor: “Ser pobre, ou desprovido de posses, prejudica muito o bem-estar, mas além de um certo ponto, ter mais coisas não parece ajudar. Um aumento de cinco vezes na renda média do Japão não melhorou a situação de seus cidadãos em termos de felicidade. O triplo aumento da renda americana no pós-guerra teve o mesmo resultado. Em média, estamos muito além do ponto em que a renda adicional, ou consumo, produz muitos benefícios psíquicos” (p. 165). Na época em que o livro foi escrito, antes da indústria de comércio de informações pessoais se tornar enorme como hoje, já pagávamos uma fortuna: “Os gastos com publicidade dispararam nos últimos anos e agora estão em mais de US$ 2 mil por família. Esses gastos são totalmente subsidiados pelos contribuintes: os custos de publicidade são dedutíveis dos lucros das empresas.”7
Isso foi antes da revolução digital total e das corporações de escala mundial com seus algoritmos. A Electronic Frontier Foundation nos traz a este novo mundo:
“As empresas de tecnologia obtêm lucros impressionantes ao direcionar anúncios para nós com base em nosso comportamento online. Isso incentiva todos os atores online a coletar, o máximo possível, nossas informações comportamentais e depois vendê-las para empresas de tecnologia de anúncios e corretores de dados que os atendem. Esse aparato de vigilância comportamental online transforma nossas vidas em livros abertos – cada clique do mouse e toque na tela pode ser rastreado e depois disseminado por todo o vasto ecossistema de tecnologia de anúncios. Às vezes, esse sistema é chamado de “publicidade comportamental online”.8
O sistema está nas mãos de um punhado de corporações: nos EUA, 78,6% está nas mãos das dez principais editoras e plataformas digitais, e essa proporção está aumentando.
“A receita de anúncios digitais nos EUA saltou 35%, para US$ 189 bilhões no ano passado, à medida que os profissionais de marketing perseguiam os consumidores que gastavam cada vez mais tempo em mídia e compras online, de acordo com um novo relatório do Interactive Advertising Bureau e da PricewaterhouseCoopers LLP”.9
Citando novamente Enrique Dans:
“E, no entanto, pela simples razão de que era algo novo e ainda não regulamentado adequadamente, há mais de uma década aceitamos e tomamos como característica do mundo online esse mesmo modelo publicitário, que gerou enormes quantias de dinheiro para as empresas que vendem publicidade, mas não se traduziu em mais vendas. O resultado é que as marcas desperdiçam seus orçamentos publicitários, nos sentimos espionados e tudo para que algumas empresas e intermediários que dominam esse mercado possam fazer fortuna.”
Custa muito para nós, isso não nos deixa mais satisfeitos, e a sustentabilidade vai por água abaixo.
Há alguns anos, quando completei 70 anos, recebi um anúncio de uma empresa funerária, oferecendo-me seus serviços, com a descrição de um belo cemitério e outras vantagens. Trabalho profissional, com música suave, passeios turísticos e tudo. Não foi no tempo exato, mas agora eles certamente também têm minhas informações de saúde e seriam muito mais precisos. Achei divertido, mas meus filhos, que viram o anúncio, ficaram tristes com a ideia que o grupo anunciante transmitia sobre meu futuro. Nós realmente precisamos disso? Esta é a minha vida, afaste-se, deixe-me fazer minhas escolhas e que escolha eu mesmo minhas informações. Até quando vamos aceitar qualquer coisa em nome da liberdade de mercado?
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Notas
1 Capitalista Visual, 29 de junho de 2022.
2 Capitalista visual. Como os gigantes da tecnologia ganham seus bilhões?
3 Douglas Heaven – Novo Cientista – Fev. 7, 2018. Como o Google e o Facebook nos fisgaram e como quebrar o hábito.
4 Ivana Shepetyuk, Qual é o orçamento médio de marketing por indústria Merehead, 18 de novembro de 2021.
5 Enrique Dans, As únicas pessoas que querem economizar publicidade hipersegmentada são aquelas que ganham a vida com isso. Abril de 2021.
6 UNCTAD, Relatório de Economia Digital 2021
7 Juliet B. Schor, The Overspent American. HarperPerennial, Nova York, 1998.
8 Bennett Cyphers e Adam Schwartz, Proibir Publicidade Comportamental Online. 21 de março de 2022, EFF.
9 The Wall Street Journal, 12 de abril de 2022. A receita de anúncios digitais aumentou 35% nos EUA no ano passado, o maior ganho desde 2006.
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