Quando decidiu travar uma batalha na Justiça para ser reconhecido como o campeão de 2008 da F1, Felipe Massa, 42, tinha dois objetivos: conseguir uma reparação para o automobilismo brasileiro e, não menos importante, ser indenizado por tudo o que acredita ter deixado de ganhar.
Bernardo Viana, advogado brasileiro que lidera a equipe jurídica de piloto no Brasil, estima que seu cliente tenha registrado perdas que podem ultrapassar os US$ 100 milhões (R$ 494 milhões). “É só a gente voltar atrás, olhar as informações sobre os aumentos de contratos de campeões, patrocínios e tudo o mais. Isso fora o ganho de imagem que ele teria”, afirma à reportagem.
“Estamos falando de uma causa muito substancial”, diz. “Mas, só para acentuar, o principal objetivo dele é esportivo.”
Nesta semana, representantes de Massa enviaram notificações denominadas “preservation notices” para Ferrari, Renault-Alpine, ING (ex-patrocinadora da equipe francesa), Flavio Briatore, Pat Symonds e Steve Nielsen.
“Preservation notices” são requerimentos formais de preservação de documentos, usados para tornar o destinatário ciente de um litígio. A ação tem como meta evitar a destruição ou a modificação de documentos, neste caso relacionados ao GP de Singapura de 2008.
Engenheiro da Renault na época, Pat Symonds teria pedido a Nelson Piquet Jr., filho do tricampeão Nelson Piquet, que batesse o carro de propósito durante a corrida para beneficiar Fernando Alonso, seu companheiro na equipe francesa. A ação alterou a dinâmica da prova no momento em que Massa a liderava.
O desfecho da prova impactou, também, a decisão do Mundial, vencido por Lewis Hamilton por um ponto de diferença em relação ao brasileiro da Ferrari.
Flavio Briatore, que era o chefe da Renault, hoje é embaixador da F1. Pat Symonds trabalha na Formula One Management (FOM), braço comercial da categoria. Steve Nielsen tem cargo na FIA (Federação Internacional de Automobilismo).
A presença desses nomes na F1 atual incomoda Massa. Sobretudo porque ele deu início à sua empreitada após uma recente entrevista de Bernie Ecclestone. Ex-chefão da F1, Ecclestone afirmou que ele, o então presidente da FIA, Max Mosley, e Charlie Whiting, que era diretor de provas, souberam do escândalo durante a temporada de 2008, mas optaram deliberadamente por não agir.
“Isso é muito grave”, afirmou o piloto em recente entrevista à Folha, antes de apontar a declaração do ex-dirigente como um “fato novo” para tentar reabrir o caso na Justiça.
Embora tenha dito, também, que considera o brasileiro campeão de 2008, Ecclestone agora critica a ação do piloto. “O clã Massa só se preocupa com dinheiro. Mas as chances de isso acontecer são zero.”
O brasileiro tem buscado apoio de figuras importantes do automobilismo, como membros da Ferrari, Nelsinho Piquet e até mesmo Hamilton. O que o piloto não entende, de acordo com seus advogados, é por que a CBA (Confederação Brasileira de Automobilismo) ainda não se mobilizou.
“Essa inércia nos preocupa, esse silêncio da CBA, que deveria ser a principal interessada conosco. O que mais sofreu, além do Felipe, foi o automobilismo brasileiro, com a falta de investimento, a falta de patrocínio, tudo o que não aconteceu e poderia ter acontecido depois do título”, argumenta Bernardo Viana.
“Nós esperamos e torcemos para que a CBA saia dessa inércia e atue de forma efetiva, não só de discurso, porque parte da função da CBA é representar nosso automobilismo.”
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Procurada pela reportagem, a entidade afirmou em nota que “o presidente [Giovanni Guerra] já manifestou seu apoio no âmbito da FIA –e junto ao próprio piloto– exclusivamente na esfera esportiva”. A ênfase no aspecto esportivo se justifica porque “a CBA e seu presidente não têm qualquer envolvimento, interesse e benefícios em eventuais pleitos econômicos, políticos e judiciais”.
“O presidente da CBA considera legítimo e pertinente o pleito do ex-piloto da Ferrari. E, como esportista, o dirigente entende ser o brasileiro o verdadeiro campeão mundial de F1 de 2008”, acrescenta o texto.
Não tem sido fácil para Massa ecoar sua luta no circo da F1, embora ele ainda atue como um dos embaixadores da categoria. Na última etapa, em Monza, ele foi orientado a não comparecer ao autódromo para evitar constrangimentos.
A categoria ordenou ainda a retirada de uma faixa colocada por torcedores ferraristas com a frase “Felipe Massa campeão de 2008”. Isso se deu após os advogados do piloto terem enviado uma carta à F1 e à FIA, obrigatória no Reino Unido –onde teve início o processo– antes do ajuizamento de uma ação judicial.
“Só consigo especular sobre o motivo. Mas, com certeza, ficaram com medo da pressão dos tifosi [como são conhecidos os torcedores da Ferrari], que, com toda a razão, pressionariam a F1, a Ferrari, a FIA, para fazer o que é certo”, diz Viana.
Inicialmente, a FIA e a F1 teriam um prazo de 15 dias para responder à carta, enviada em agosto pelos representantes do brasileiro. As partes, no entanto, concordaram em estipular nova data, e as entidades terão agora até 12 de outubro para se manifestar.
Veja a íntegra da nota da CBA:
“Por princípio, tendo em vista que a razão de sua existência é o Piloto Brasileiro, é dever da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) apoiar incondicionalmente e dar suporte institucional a todo pleito dirigido à FIA por seus filiados e, neste caso, há uma motivação adicional de caráter pessoal [do presidente] em contribuir desportivamente com Felipe Massa.
Neste sentido, o presidente já manifestou seu apoio no âmbito da FIA – e junto ao próprio piloto – exclusivamente na esfera esportiva. Frise-se ‘esportiva’ porque a CBA e seu presidente não têm qualquer envolvimento, interesse e benefícios em eventuais pleitos econômicos, políticos e judiciais.
O presidente da CBA considera legítimo e pertinente o pleito do ex-piloto da Ferrari e, como esportista, o dirigente entende ser o brasileiro o verdadeiro campeão mundial de Fórmula 1 de 2008.
Destaca, porém, que tal posicionamento de forma alguma desmerece o piloto Lewis Hamilton, que exerceu sua atividade de forma competente e longe dos acontecimentos que geraram a discussão que ora se apresenta.
Apesar de Felipe Massa já ocupar um honroso lugar no pódio dos grandes ídolos brasileiros no automobilismo internacional, a hipótese de ser considerado oficialmente o campeão mundial de 2008 representaria um estímulo adicional às novas gerações de pilotos brasileiros que estão sendo formadas no kartismo e nas categorias-escola de monopostos, notadamente a Fórmula 4 e, complementarmente, seria auspiciosa manifestação de justiça.
Para além do campo esportivo e de cidadania, essa correção histórica, mesmo que tardia, representaria outro motivo de honra para a Gestão Giovanni Guerra, eleita em 15 de janeiro de 2021, uma vez que, de lá para cá, já pudemos comemorar os títulos mundiais de Kart (Matheus Morgatto), Fórmula 2 (Felipe Drugovich) e Fórmula 3 (Gabriel Bortoleto).”
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