Marcus Vinícius de Faria Felipe
A votação da contribuição sobre a produção agropecuária, que está em discussão na Assembleia Legislativa, gerou reações contrárias na própria base governista. O projeto, que cria o Fundo Estadual de Infraetrutura (Fundeinfra), estabelece que o valor arrecadado pela contribuição será destinado à manutenção das rodovias estaduais que servem de via de escoamento para os produtos agrícolas. É uma contribuição justa para os segmentos que mais impactam nos desgastes das estradas.
Prejuízos da Lei Kandir
Desde que foi estabelecida a em 13/09/ 1996 a Lei Kandir (Lei complementar nº 87) ficaram isentos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) as exportações de soja, milho, minérios, carnes e outras commodities de origem vegetal, animal e mineral. O resultado é que bilhões de reais foram retirados dos Estados exportadores de matéria-prima. Com a Lei Kandir, os Centro-Oeste (Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul), e mais Minas Gerais e Pará vendem grãos, carnes e minérios mais barato para os mercados Europeu e Asiático, enquanto fica nos municípios o rombo causado pela mineração e pela monocultura da soja ou os pastos degradados deixados para trás pela pecuária intensiva.
Em Minas Gerais, por exemplo, estudo feito pelos deputados estaduais revela que o Estado deixou de arrecadar R$ 135 bilhões com a Lei Kandir, no entanto, o estrago ao meio ambiente causado pela Vale do Rio Doce, BHP, Samarco foi fixado em míseros R$ 2,5 bilhões aos moradores das cidades impactadas pela inundação dos rejeitos, e apesar de apenas a Vale terem LUCRADO R$ 87,5 bilhões no ano passado, as indenizações ainda não foram pagas!
Agro contribui muito pouco
Aqui em Goiás a contribuição do agronegócio na arrecadação estadual é ínfima, como mostra matéria assinada pela jornalista Fabiana Pulcinelli, na edição desta sexta-feira (11/11) de O Popular:
“(…) segundo dados oficiais, nos últimos 12 meses o setor de combustível foi o que mais contribuiu com o Tesouro, gerando cerca de R$ 7 bilhões de arrecadação para o Estado. A segunda colocação é da indústria com R$ 5,5 bilhões e a terceira, do setor atacadista com R$ 4,8 bilhões. O setor agropecuário gerou apenas R$ 506 milhões em tributos”, revela.
Monoculturas secam rios
O impacto das monoculturas da soja, do milho, da cana e do algodão são visíveis em Goiás e em todo o Centro-Oeste. O descontrolado desmatamento do Cerrado está secando córregos, riachos e rios em todos os municípios goianos e mato-grossenses. Matéria do site da BBC ilustra bem o impacto do agronegócio para o meio-ambiente, recursos hídricos e a biodiversidade brasileiras.
Sob o título: “Brasil é competitivo porque exporta soja sem cobrar por água e biodiversidade perdidas, diz cientista”, a matéria assinada pelo jornalista Leandro Machado aponta que o desmatamento desenfreado do Cerrado está secando os principais rios brasileiros:
“Oito das 12 principais bacias hidrográficas brasileiras, como as dos rios São Francisco e Paraná, nascem nesse que é o segundo maior bioma do país, perdendo só para a Amazônia.
Segundo o biólogo e pesquisador Reuber Brandão, o uso da água do Cerrado para irrigação de produtos agrícolas, principalmente a soja, está diminuindo o volume do recurso nessas bacias, além de destruir boa parte da fauna e da flora que fazem do bioma a savana mais biodiversa do planeta”, adverte.
Brandão arremata:
“Quando você exporta uma commodity como a soja, o valor da água e da biodiversidade perdidas não está embutido no preço da semente. Por isso, o Brasil é competitivo”, disse o pesquisador em entrevista à BBC News Brasil.
Há muito tempo que o setor do agronegócio usa de maneira irresponsável os recursos naturais de Goiás e do Centro-Oeste como um todo. Neste governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) ações criminosas foram cometidas contra o Cerrado, a Mata Atlântica e a Amazônia, com o desmonte dos órgãos de fiscalização ambiental como o Ibama, ICMBio e seus congêneres nos Estados.
Taxar também setor mineral e investir na preservação do Cerrado
O governador Ronaldo Caiado (União Brasil) acerta em fazer o debate sobre a contribuição do setor exportador do agronegócio para com a manutenção das rodovias que são duramente impactadas pelos caminhões de grãos, que por falta de fiscalização, trafegam à sua maioria com cargas acima da tonelagem permitida nas estradas.
Dito isto, é preciso dizer que o projeto em debate ainda é insuficiente. O mais correto é que o projeto em discussão seja ampliado para estender a contribuição ao setor mineral e que, além das rodovias, os recursos advindos desta taxação sejam investidos também na preservação das áreas de Cerrado e na fiscalização intensiva contra o desmatamento e o uso indevido dos mananciais de água do Estado.
Neste segundo mandato o governador Ronaldo Caiado precisa responder às demandas cada vez maiores em relação ao meio ambiente. A cobrança ambiental não vem de nenhum grupo preservacionista, ao contrário, vem dos nossos principais importadores de grãos e minérios – os europeus e os asiáticos -, pois eles mesmos, estão sendo cobrados pela opinião pública de seus países sobre a compra de soja, carne bovina e minérios de países como o Brasil, que deixam “passar a boiada”, liquidando com a fauna, flora, biodiversidade e as vidas de índios e povos originários.
A conta ambiental chegou, e está mais que na hora do governo de Goiás enfrentar com seriedade esta nova realidade.