Estacionar o carro em Brasília pode deixar de ser gratuito em breve. A Zona Verde, que prevê a privatização dos estacionamentos públicos da capital da República, divide opiniões entre especialistas e aqueles que vão sentir o efeito na pele: os motoristas. Ontem, a Secretaria de Transporte e Mobilidade (Semob) publicou, no Diário Oficial (DODF), as justificativas para a adoção da medida. O GDF pretende lançar a licitação para a concessão ao setor privado na semana que vem. Alguns pontos estão definidos. Entre eles, é que serão 55 mil vagas nas áreas mapeadas. Os preços serão de R$ 4 para carros e R$ 2 para motos (por hora).
Ao Correio, o secretário da Semob, Zeno Gonçalves, disse que as 55 mil vagas serão divididas em quatro grandes lotes (também chamados de ipês) com tempo estimado de rotatividade. "O ipê branco terá o tempo indeterminado; o roxo terá duração máxima de cinco horas; o rosa, de 12 horas; e o amarelo, de duas horas", explicou.
Da publicação do edital até a data da licitação, são 60 dias. "Após isso, se tudo correr bem, iniciamos as análises das propostas, como preço, análise técnica e prova de conceito. Estimamos, em um prazo bem otimista, entre 90 e 120 dias para concluirmos o processo licitatório, se tudo correr bem", adiantou.
A Zona Verde englobará as quadras comerciais das asas Sul e Norte; Sudoeste; setores de Indústrias Gráficas (SIG), de Indústria e Abastecimento (SIA), bancário (SBS e SBN), comercial (SCS e SCN) e de autarquias (SAS e SAN); Esplanada dos Ministérios; Eixo Monumental; e os bolsões nas estações de metrô e BRT. O prazo de concessão será de 20 anos.
A prestação do serviço concedido envolve todas as etapas do projeto, desde a implantação e operação do sistema, passando pela exploração e o gerenciamento dos estacionamentos rotativos, inclusive a manutenção das áreas exploradas. Segundo o secretário, a empresa contratada deverá investir, nos dois primeiros anos, R$ 126 milhões, dinheiro este que deverá ser aplicado no redesenhamento das vagas, requalificação do estacionamento, infraestrutura, implementação de câmeras de segurança, treinamento e qualificação de funcionários.
O projeto não contempla a implementação dos estacionamentos tarifados em áreas residenciais. Questionado sobre uma possível "invasão" de motoristas nessas áreas para escaparem da cobrança, Zeno Gonçalves afirmou que há o risco.
Ele lembrou, no entanto, que as quadras residencias foram retiradas do projeto a pedido dos próprios moradores. "Todas as associações de moradores das asas Sul e Norte se manifestaram em audiências públicas, na Câmara Legislativa, nas nossas audiências e junto ao Tribunal de Contas para a retirada das vagas. O Tribunal acatou esse entendimento", explicou.
O secretário enfatizou que os estacionamentos rotativos seguirão uma linha moderna, com controle via imagem. Será permitido, ainda, o trabalho prestado por guardadores de carros já cadastrados. "Não afetará a construção de Brasília, tampouco áreas tombadas", observou Zeno. Os detalhes de como esse serviço será prestado constarão no edital.
A expectativa é de que o GDF arrecade R$ 54 milhões de outorga inicial. A participação do governo será de 20% da receita bruta mensal, com previsão de arrecadação em R$ 15 milhões por ano.
"As vagas para acessar o comércio e outros serviços são tomadas e as pessoas não conseguem ter esse acesso com facilidade. A nossa finalidade é seguir os padrões adotados no resto do mundo", ressaltou o secretário.
O debate em torno da implementação do estacionamento rotativo é antigo e já foi motivo de abaixo-assinado contrário à medida. Para especialistas em transporte, a proposta contradiz os próprios objetivos apresentados.
Uma das principais justificativas é incentivar o uso do transporte público, como ônibus e metrô. No entanto, os sistemas privados geralmente dependem de uma alta demanda por vagas para gerar lucro, o que pode impulsionar o uso do carro. "Do ponto de vista da sustentabilidade, desestimular o uso dos carros e apostar no transporte público coletivo é algo maravilhoso, mas, na prática, a lógica do sistema vai contra essa ideia. O mecanismo depende de uma demanda cada vez maior para criar receita, ou seja, o sistema depende de um maior número de usuários de carros", avalia Paulo Cesar Marques, professor de engenharia de tráfego e mobilidade urbana da Universidade de Brasília (UnB).
Na avaliação do professor Paulo Cesar, fazer com que o usuário do estacionamento pague por isso e o recurso arrecadado seja destinado ao transporte público é uma boa medida, mas há ressalvas. "Na prática, a lógica do governo acaba sendo invertida. Ao contratar uma empresa para administrar o sistema, o lucro da concessionária se torna uma prioridade. Além disso, essas empresas geralmente precisam arcar com investimentos significativos", assinala.
Saulo Malcher Ávila, advogado especialista em direito administrativo e sócio do Mota Kalume Advogados, ressalta que os efeitos positivos da medida podem superar os negativos. Isso desde que os recursos angariados sejam bem aplicados, com ganhos para o transporte coletivo e o meio ambiente."Sem dúvidas, há pontos negativos, como o possível uso das vagas de estacionamento nas áreas residenciais próximas por quem não quer pagar, prejudicando diretamente os moradores", lembra.
De outro lado, para ele, pode haver redução da poluição sonora e visual nesses locais, além de menos emissão de compostos químicos.