As eleições de 2022 dão início a um novo panorama político-partidário, com menos partidos e uma relação mais funcional entre os Poderes.
É resultado sobretudo da cláusula de desempenho, que condiciona a ocupação de uma série de espaços políticos, inclusive financiamento público, a uma votação mínima. Também é resultado das federações partidárias, que obrigam siglas federadas a atuar durante 4 anos no Congresso como uma única legenda.
Ao todo, 23 partidos elegeram deputados em 2022. Esse número, entretanto, será reduzido por causa das duas regras:
Em 2022, a cláusula demandava aos partidos elegerem ao menos 11 deputados federais em pelo menos 9 Estados ou ter 2% dos votos em 9 Estados.
Um ambiente com menos partidos políticos facilita a comunicação dos poderes, já que há menos porta-vozes e, consequentemente, interesses no caminho.
Aprovada em 2017, a cláusula começou a valer em 2018, mas em patamares mais baixos. Nas próximas eleições, em 2026, serão necessários 2,5% dos votos ou 13 eleitos. O ápice será em 2030, com 15 eleitos e 3% dos votos.
Eis o resultado da cláusula de desempenho em 2018:
Eis o resultado em 2022:
Com as fusões e federações em curso, devem totalizar 13 partidos com acesso às benesses dos fundos partidário e eleitoral, além de espaço para lideranças partidárias no Congresso, posições em comissões e tempo de fala na tribuna da Câmara.
A tendência de incorporações, fusões e federações continua. Nesta legislatura que se inicia em 1º de fevereiro, ao menos 3 estão em curso. O PP e o União Brasil negociam fundir. Teriam 106 deputados e 16 senadores. Teriam 6 governadores: Goiás, Mato Grosso, Acre, Amapá, Roraima e Rondônia. Nesses 3 quesitos, seriam o maior partido do país.
O PSDB e o Podemos também negociam. O partido teria 36 deputados (8ª maior bancada), 11 senadores (2ª maior) e 3 governadores: Rio Grande do Sul, Pernambuco e Mato Grosso do Sul.
O PSB e o PDT também estudam federar. Teriam 31 deputados federais (8ª maior), 4 senadores (8ª maior) e 3 governadores: Paraíba, Espírito Santo e Maranhão. Além disso, teriam o vice-presidente Geraldo Alckmin.
Segundo o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung, estudioso do cenário político-partidário no país, a redução no número de partidos facilita a negociação do Executivo com o Legislativo.
“Na eleição, o político ganha um pedaço do poder. Para governar, tem que trazer as outras partes [congressistas] ou partes das outras partes. A nova regra está ajudando. O próximo presidente [Lula] terá mais facilidade que o atual [Bolsonaro] para construir maioria“, disse.
Hartung afirmou que a tendência é continuar o processo de fusões e federações. “Se o mundo político será de partidos com 90, 100 deputados, quem tem 18 terá que somar com outro para ter escala no jogo político e na distribuição de cargos em comissões“.
O analista político e diretor-executivo da Action RelGov, João Hummel, estima que, quando a cláusula estiver em pleno funcionamento, devem restar 5 partidos, divididos pelo espectro ideológico que buscam representar: direita, centro-direita, centro, centro-esquerda e esquerda.
O desafio nesse processo, diz, é criar a identidade dos partidos. “Os partidos hoje são cobrados por suas posições na economia, nos costumes, e isso já tem dado resultado em votos“, afirmou.
Para Hummel, é uma consequência positiva da polarização política. Nessas eleições o alinhamento ideológico tornou-se quase ou mais importante que a máquina governamental na mão na hora de fazer campanha.
O governo de São Paulo é citado como exemplo. Rodrigo Garcia (PSDB) tinha a máquina governamental na mão, já que estava no cargo de governador. Seu partido estava no comando de São Paulo há quase 30 anos. E não conseguiu se reeleger. Manteve-se neutro no 1º turno e não foi para o 2º. O apoiador de Jair Bolsonaro, o ex-ministro Tarcísio de Freitas (Republicanos), foi o eleito.
A Câmara dos Deputados e o Senado têm mais poder e independência atualmente que no passado. Há razões para isso. A consolidação de um cenário com menos partidos, e líderes com mais seguidores, ajudou. Mas não foi só.
A instituição das emendas impositivas e de relator tiveram papel relevante. Deputados e senadores passaram a ter acesso garantido a esses recursos. Não dependem mais da boa vontade do Executivo nem aderir ao governo para recebê-las.
Por outro lado, esse mecanismo tornou mais complexa a formação de maiorias nos moldes do presidencialismo de coalizão. A negociação gira mais em torno de interesses locais e políticos do que na necessidade de dinheiro.
Em última instância, essa dependência gerou uma série de escândalos, sendo o principal deles o mensalão.
Há um 3º ponto. A mudança na tramitação de MPs (Medidas Provisórias) em 2015. Antes, elas bloqueavam a pauta 45 dias depois de publicadas. Hoje, só depois de a Câmara formar uma comissão especial para análise.
Na pandemia, foi adotada a excepcionalidade na necessidade de formar a comissão. Na prática, ela não é criada. E as MPs não trancam mais a pauta.
Com isso, o Legislativo passou a aprovar mais medidas de origem da Câmara e do Senado, como demonstra o infográfico. O Executivo perdeu parte do seu controle sobre a pauta do Legislativo.
Esse empoderamento acontece em paralelo com a cláusula de desempenho. E, ao que tudo indica, é um caminho sem volta.
O ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha diz que a redução de partidos concentra poder naqueles que sobram.
“É normal que concentre poder nas mãos de quem fica. Mas ainda assim há muitos partidos. Se a cláusula for mantida, no futuro a tendência é reduzir mais ainda. E quem sobrar terá ainda mais poder“, disse.
A lei que previa uma limitação no número de partidos com acesso às benesses, tomando como base a votação, foi proposta em 1989, pelo então deputado Paulo Delgado (PT-MG).
Em 1995, foi aprovada. Passaria a valer em 2006. Um grupo de 8 partidos (PCdoB, PDT, PSB, PV, PSC, PSOL, PRB e PPS) entrou no STF (Supremo Tribunal Federal) contra a lei, na época chamada de “cláusula de barreira“.
Em dezembro de 2006, a Corte decidiu por unanimidade que a medida era inconstitucional. E permitiu que o país chegasse a ter 28 partidos com quase nenhuma diferença programática atuando ao mesmo tempo no Congresso em 2014.
O ministro-relator do caso foi Marco Aurélio Mello, aposentado em 2021. Ele diz que a decisão de 2006 foi positiva porque garantiu o acesso das minorias ao sistema.
“O princípio básico é que não se pode adotar uma interpretação que inviabilize as minorias, porque a minoria de hoje pode ser a maioria de amanhã. Se não for assim, passa a ser totalitária“, disse ao Poder360.
Sobre a proliferação dos mini partidos, ele diz tratar-se mais de um problema cultural que jurídico. “Muitos nasceram para ir atrás dos fundos partidário e eleitoral. Aí caberia uma ação do TSE“, disse.
Esta reportagem faz parte da série Brasil à frente. Trata-se de um abrangente levantamento de informações do jornal digital Poder360 sobre os desafios do país nesta 3ª década do século 21, em que a democracia está em fase avançada de consolidação, mas as instituições e vários setores da economia ainda precisam de aperfeiçoamento.
24.dez.2022 (10h12) – Diferentemente do que foi publicado, os Estados do Rio de Janeiro e Santa Catarina não são governados pelo PP ou União Brasil.