Eventos são do grupo Yes Brazil USA, que cuidou da agenda do ex-presidente em Orlando após eleição
Texto: Laura Scofield | Edição: Natalia Viana – Agência Pública
Em setembro e outubro deste ano, o grupo dos seminários e palestras Veritas Liberat, realizados com o apoio do grupo Yes Brazil USA em cidades europeias, estão sendo parcialmente pagos pelo contribuinte brasileiro.
Apuração da Agência Pública revela que deputados e senadores gastaram mais de R$ 127 mil reais de dinheiro público para ir a eventos bolsonaristas, onde a disseminação de desinformação é comum – em uma delas, o general Pazuello questionou a apuração dos votos nas eleições presidenciais. Segundo organizadores, os eventos servem para aproximar parlamentares brasileiros de congressistas conservadores de outros países.
O último seminário Veritas Liberat nos países europeus ocorrerá amanhã (14), em Madrid, capital espanhola. O evento terá entre seus convidados o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), a deputada federal Bia Kicis (PL-SP) e a deputada estadual de Santa Catarina, Ana Campagnolo (PL-SC). Este ano ainda ocorreram outros quatro seminários promovidos pelo Yes Brazil USA e pelo Institutum Veritas Liberat. Em setembro, os eventos foram realizados nas cidades italianas de Novara e Roma, e em Zurique, na Suíça. No último dia 10 de outubro houve ainda um evento em Lisboa.
Além deles, o Coronel Alberto Feitosa (PL-PE), da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (Alepe), também participou dos eventos.
Flávio Bolsonaro gastou mais de R$ 11 mil em passagens para a Espanha e R$ 9 mil em diárias no país. Ele viajou em 11 de outubro e volta ao Brasil no dia 16. O senador foi autorizado a viajar com dinheiro público pelo presidente da Casa, senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), como determina o regimento do Senado para viagens em missão oficial.
O deputado federal e ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, General Pazuello (PL-RJ) gastou mais de R$ 27 mil com passagens e diárias, pagas pela Câmara dos Deputados. Pazuello compareceu aos seminários nas cidades de Roma e Novara, na Itália, e Zurique, na Suíça, entre os dias 20 e 26 de setembro.
Em sua fala em Zurique, em 24 de setembro, Pazuello questionou a apuração dos votos feita pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e afirmou que “é importantíssimo o voto impresso”, rejeitado pela Câmara dos Deputados em 2021. “A Constituição é clara: o voto é secreto, mas a apuração é pública. Será que a apuração está sendo pública? Será que estamos cumprindo a Constituição no que prescreve a apuração pública dos votos? A contabilização e apuração pública?”, perguntou.
De acordo com o TSE, o resultado de cada urna é impresso e colado nas seções eleitorais. “Ele pode ser facilmente confrontado, por qualquer eleitor, com os dados divulgados pelo TSE na internet, após a conclusão da totalização”, explica o tribunal.
Pazuello dividiu a mesa com os deputados estaduais Ana Campagnolo e Coronel Alberto Feitosa, que também pagaram suas idas com dinheiro público. Feitosa gastou R$ 14,8 mil em diárias entre 20 e 25 de setembro, quando compareceu aos congressos na Itália e Suíça.
Na cidade italiana de Novara, Feitosa reproduziu a fake news que afirmava que a sigla “CPX”, usada por Lula em um boné, era ligada a uma facção criminosa. Na verdade, o termo significa “complexo” e se refere a grupos de favelas, como o Complexo do Alemão – onde o presidente estava em campanha quando usou o boné.
No ano passado, a Pública mostrou que a campanha de Bolsonaro tentou ligar o atual presidente ao crime organizado usando desinformação como estratégia política.
Já Campagnolo viajou para a Suíça no dia 20 de setembro acompanhada de seu assessor, Douglas Pereira Lopes. Os dois gastaram mais de R$ 36 mil com diárias e passagens. No relatório de viagem, descreveram o seminário como um “evento oficial” onde haveria “reunião/visita com lideranças/entidades”. Voltaram ao Brasil em 26 de setembro, e no dia 5 do mês seguinte, a deputada foi novamente à Europa para comparecer aos seminários de Lisboa e Madrid. A segunda ida de Campagnolo custou ao todo mais de R$ 28 mil aos cofres do estado de Santa Catarina. No total, Campagnolo gastou R$ 65 mil para comparecer aos eventos.
A deputada, que se diz “antifeminista”, falou sobre feminismo e criticou o conceito de violência política de gênero. “Alguém lá na faculdade criou o termo de violência política de gênero, que basicamente consiste em discordar de uma mulher. Se discordou de uma mulher e ela é política, é violência política de gênero”, disse a deputada.
De acordo com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Brasil registrou 112 denúncias de violência contra a mulher entre agosto de 2021, quando este tipo de violência se tornou crime, e dezembro de 2022.
O senador Jorge Seif também iria ao evento e havia comprado passagens e seguro-viagem com dinheiro do Senado no total de R$ 40 mil. Porém, ele cancelou a ida devido às enchentes em Santa Catarina, segundo sua assessoria de imprensa. Questionada se o dinheiro será devolvido, a assessoria afirmou: “acredito que sim”. A reportagem pediu que ela confirmasse a informação, mas não obteve resposta.
Além dos parlamentares já citados, a deputada Bia Kicis (PL-DF), e o deputado Gustavo Gayer (PL-GO) também constam como palestrantes dos congressos nas cidades europeias neste mês de outubro, mas, até o fechamento deste texto, não declararam gastos via cota parlamentar.
A reportagem entrou em contato com todos os parlamentares citados mas não obteve retornos.
Os seminários conservadores na Europa foram promovidos pelo grupo Yes Brazil USA, comandando pelo casal Larissa e Mário Martins, e pelo “Institutum Veritas Liberat”. De acordo com a página do Yes Brazil USA no Instagram, eles são um “grupo de direita que reúne cristãos comprometidos com um Brasil livre da ideologia comunista”.
Como organizadores, o casal fez uma fala por vídeo na abertura do evento em Zurique. Mário afirmou que “as liberdades estão sendo tolhidas no Brasil” e pediu engajamento: “chegou a hora de nós que moramos no exterior levantarmos a nossa voz e denunciarmos todas as atrocidades que estão acontecendo no nosso país”.
Já Larissa lembrou que, nas últimas eleições presidenciais, o Yes Brazil USA e outros grupos aliados organizaram a inscrição de fiscais nas seções eleitorais do exterior. “Nós já começamos fazendo já bastante barulho, porque pela primeira vez nas eleições do Brasil houve fiscais e delegados em todo o exterior. Vocês estão de parabéns”, afirmou.
No ano passado, a Pública revelou que a disseminação de mentiras sobre o sistema eleitoral estava sendo usada para arregimentar fiscais de urna, e que os fiscais no exterior espalharam desinformação e defenderam atos golpistas.
O Yes Brazil USA existe formalmente desde agosto de 2021, quando foi registrado como uma organização sem fins lucrativos no estado da Flórida, porém, já promove eventos desde ao menos 2019. Mário é o diretor-executivo da instituição e Larissa é a diretora financeira.
A conta do grupo no Instagram tem 33,5 mil seguidores e publica conteúdo desinformativo com frequência, inclusive sobre a segurança do sistema eleitoral brasileiro. Ao tentar seguir o perfil, o Instagram avisa que “esta conta publicou repetidamente informações falsas que foram analisadas por verificadores de fatos independentes ou que eram contra nossas Diretrizes de Comunidade”. O perfil faz várias campanhas para arrecadar dinheiro, tanto para Bolsonaro quanto para as famílias dos golpistas presos pelo 8 de janeiro.
De acordo com seu site, o Institutum Veritas Liberat tem como objetivo “unir a direita brasileira e portuguesa e lutar pelos valores conservadores / judaico-cristãos e combater o socialismo nas Américas e Europa, inspirados pelo professor Olavo de Carvalho e Companhia de Jesus”.
O portal também afirma que eles organizaram manifestações em 7 de setembro de 2021 e 2022 e promoveram o Primeiro Congresso Conservador da Revista Direita BR Europa, em janeiro de 2022.