O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), menosprezou, ontem, as denúncias de perseguições e violência praticadas pela Polícia Militar paulista, que somente nesta Operação Verão deixou 39 mortos na Baixada Santista — ao contrário dos anos anteriores, nos quais não houve registro de óbitos. Ele minimizou as denúncias de funcionários da Secretaria de Saúde do município de Santos, que apontaram que mortos estão sendo transportados como se vivos fossem para hospitais. Isso passa a impressão de que, apesar dos confrontos, a PM presta atendimento aos suspeitos a fim de que serem entregues à Justiça. Além de configurar fraude, tal procedimento atrapalha a perícia.
"Nossa política é profissional. A gente está fazendo o certo. Sinceramente, temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E, aí, o pessoal pode ir à ONU (Organização das Nações Unidas), pode ir à Liga da Justiça, ao raio que o parta, que não estou nem aí", desafiou Tarcísio, em coletiva após o evento que marcou o Dia Internacional da Mulher.
Porém, numa tentativa de amenizar o que dissera, prometeu que as denúncias serão apuradas. "Precisamos, de fato, saber o que realmente aconteceu. Não há nenhum interesse da nossa parte em confrontar ninguém. Tínhamos lá na Baixada (santista) uma série de barricadas que foram removidas. Locais em que o poder público não entrava. Hoje, a gente retirou todas as barricadas. A gente está estabelecendo a ordem. Não existe progresso sem ordem", justificou.
Ao lado de Tarcísio estava o secretário de Segurança do estado, Guilherme Derrite — que, na quarta-feira, afirmou à Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) que não via excessos na operação. "Importante deixar claro que nenhum órgão correcional das polícias — Corregedoria da Polícia Militar, Corregedoria da Polícia Civil — recebeu qualquer denúncia, qualquer informação, qualquer relato oficial de que houve abuso das forças policiais. Caso isso aconteça, com total transparência e absoluta certeza, será investigado", garantiu aos parlamentares.
Parentes de vítimas relatam que PMs estariam indo aos enterros e velórios para intimidá-las, a fim de não levarem adiante denúncias sobre eventuais exageros da operação. Além disso, o Ministério Público de São Paulo abriu uma notícia de fato para apurar denúncias de adulterações das cenas dos crimes pelos policiais — quando os suspeitos, já mortos, são removidos para os hospitais em um socorro forjado à vítima. Caso o MP-SP constate a fraude, os envolvidos podem ser punidos com até três anos de prisão.
Ainda por conta das denúncias e suspeitas, a Defensoria Pública do estado, a Conectas Direitos Humanos e o Instituto Vladimir Herzog foram à ONU pedir o fim da operação e a obrigatoriedade do uso de câmeras corporais pelos PM — cujo contrato para o uso do equipamento foi prorrogado até junho e, segundo Tarcísio, não será renovado. A Defensoria afirma que não foram usados os equipamentos em nenhuma das ocorrências verificadas.
Pela denúncia feita à ONU, foram identificados "indícios da não preservação das cenas dos crimes, bem como a repetição da versão policial em todas as ocorrências com morte: que os suspeitos portavam drogas, atiraram e que teriam sido socorridos ainda com vida. Nesse contexto, a ausência de corpos nas cenas de crimes impossibilitaria que a perícia coletasse provas técnicas".
A Operação Verão ocorre anualmente nas cidades litorâneas paulistas e a que está em curso começou em 18 de dezembro. Em pouco mais de 90 dias de incursões policiais, foram presos 825 suspeitos e 580kg de drogas foram apreendidos.