Fundador do semanário Cinco de Março e do jornal Diário da Manhã, jornalista falece aos 88 anos, após luta contra o câncer
Marcus Vinícius de Faria Felipe
Batista Custodio dos Santos era predestinado. Desde muito cedo teve contato com figuras de vulto, que marcariam a sua trajetória. Nascido em Caiapônia, no Sudoeste Goiano, foi criado numa grande fazenda de pecuária, por onde passavam tropeiros e viajantes. Contava que sua avó entrou em combate contra a Coluna Prestes, por entender primeiramente que eram invasores, porém o Capitão Luis Carlos Prestes optou por não revidar, e ambos entraram em entendimento, e ficou alí uma admiração da família pelo idealismo dos revoltosos.
Na infância Batista Custódio foi coroinha, e conviveu com padres republicanos, que foram expulsos da Espanha por ordem do ditador Francisco Franco. Com eles empreendeu as primeiras leituras, e um ensinamento precioso, dito por um destes clérigos espanhois: “Não há nada mais burro do que ideologia misturada com fanatismo religioso”.
Naqueles dias de infância, o jovem Batista se espantou com a descida de vários DC-3 da FAB no campo de pouso de Caiapônia. Era junho de 1943, e começava a Operação Roncador-Xingu, que iniciaria o programa Marcha Para o Oeste, do presidente Getúlio Vargas. A ideia era levar desenvolvimento ao Centro-Oeste do país. Um dos tenentes da Coluna Prestes, João Alberto Lins de Barros, foi designado para comandar a Fundação Brasil Central, que tinha em Caiapônia uma de suas sedes.
Batista Custódio falava com carinho da convivência de sua família com João Alberto Lins de Barros, memória que marcou a sua infância.
O jovem caiaponense gostava de poesia e literatura, e foi para a Goiânia para completar estudos. Se envolveu no movimento estudantil. Dividiu com Iris Rezende Machado um quarto em uma república estudantil. No dia Cinco de Março de 1959, estudantes secundaristas que protestavam contra o aumento das passagens no transporte coletivo e das mensalidades escolares foram duramente reprimidos pela polícia do governador jataiense José Feliciano (1959-1961), resultando na morte de um secundarista, durante uma passeata pacífica em frente ao antigo Mercado Central de Goiânia, na Rua 4, no centro, onde é hoje o Parthenon Center.
Faziam parte do movimento Consuelo Nasser, Batista Custódio, Telmo Faria, Javier Godinho, Valterli Guedes e Zoroastro Artiaga. Depois de inúmeras reuniões na casa de Alfredo Nasser, o grupo decidira criar o jornal, com a data do massacre. Nascia o Cinco de Março, que circulou de 1959 a 1979 com o lema: “Nem Washington, nem Moscou, nem Roma: Tudo pelo Brasil”. Batista adotava como legenda o ensinamento dos padres espanhóis de não colocar a ideologia acima da liberdade e da justiça social.
Na década de 1980 Batista Custódio fundou o Diário da Manhã, sob o signo da abertura política e redemocratização. Trouxe para redação jornalistas de renome nacional e regional como Jânio de Freitas, Aloísio Biond (três prêmios Esso de Economia), Washington Novaes (Prêmio Esso Especial de Ecologia e Meio Ambiente), Isanulfo Cordeiro, Lorimá Dionísio, Antônio Carlos Fon (Prêmio Esso de Direitos Humanos por matéria publicada no DM em 1980), Antônio Carlos Moura (que foi deputado pelo PT-GO), o jornalista e ex-preso político Pinheiro Salles, Luis Carlos Bordoni entre outros.
Sob sua batuta o DM foi o primeiro jornal a realizar diagramação eletrônica, o primeiro do Centro-Oeste a colocar todo o seu conteúdo na internet, numa linha editorial marcada pela defesa da democracia, dos direitos humanos e da preservação do meio ambiente. Criou um caderno no jornal destinado a publicação de artigos, crônicas e poesias, abrindo espaço para ampla manifestação da sociedade.
Batista Custódio foi confidente de vários presidentes da República e governadores. Admirava o fundador de Goiânia, Dr. Pedro Ludovico Teixeira, do qual ganhou de presente um revólver Smith & Wesson calibre 32, com cabo de madrepérola, que o ex-governador guardava na sua escrivaninha. Apoiou as eleições de Iris Rezende Machado (PMDB), Maguito Vilela (PMDB), Marconi Perillo (PSDB), Alcides Rodrigues (PP) e Ronaldo Caiado (União).
Foi recebido em palácio por Juscelino Kubistchek, de quem nutria genuína admiração. Após a cassação de JK, esteve com ele nos dias do movimento da Frente Ampla, a qual se reuniu o ex-presidente João Goulart e o ex-governador Carlos Lacerda. Batista questionou JK sobre a aproximação com Lacerda, seu fidagal adversário. Ele respondeu que a redemocratização exigia a união de todos os brasileiros, independente da ideologia. JK também contou a Batista Custódio qual seria o seu novo Plano de Metas, caso voltasse à presidência: a ligação de Norte a Sul do país pelas ferrovias. O criador de Brasília queria corrigir o erro de seu governo, que apostou somente nas rodovias como modal para ligar o nosso país-continente.
Com a posse de José Sarney na presidência da República, Batista Custódio levou ao inquilino do Palácio do Planalto a ideia de JK, e nascia ali o projeto da Ferrovia Norte-Sul. Batista foi um dos maiores entusiastas da obra. Fez um grande caderno sobre a Norte-Sul com capa desenhada pelo artista plástico Siron Franco e textos de Washington Novaes e Euler Belém.
O projeto naufragou por pressões políticas internas e externas. Ironicamente, artigo de Jânio de Freitas, para a Folha de S. Paulo pôs a mídia corporativa contra a Norte Sul.
Sarney confidenciou a Batista que Washington D.C. não queria a ferrovia, pois ela faria av avançar a fronteira agrícola do Brasil e tomaria dos Estados Unidos o posto de maior produtor mundial de alimentos, principalmente a soja.
– Por que você não bate a mão na mesa e denuncia esta patranha?, questionou Batista
– Porque eles me tomam a mesa, respondeu Sarney.
Veio o governo Lula, e o primeiro metalúrgico eleito presidente retomou o projeto e hoje a Norte-Sul é realidade.
Batista Custódio viveu para ver a inauguração da grande ferrovia.
Durante os ataques da mídia corporativa a Lula, José Dirceu, José Genoíno e Delúbio Soares, a linha editorial do DM foi de defesa do governo legitimamente eleito, abrindo espaço para que todos que foram atacados se defendessem.
Como fazia em todas as eleições, Batista Custódio publicava editorial definindo seu voto. E em 2006 ele anunciou voto na reeleição de Lula. Fez o mesmo em relação à eleição de Dilma Roussef, primeira mulher eleita presidenta do Brasil. O DM de Batista Custódio também saiu em defesa do mandato de Dilma contra a manipulação politica que culminou no seu impeachment.
Batista Custódio era crítico à Operação Lava Jato, e as páginas do jornal se abriram para questionamentos aos métodos do juiz Sérgio Moro e seus asseclas.
Numa matéria de quatro páginas, pilotada pelo editor de política Helton Lenine, a qual também participamos, foi entrevistado o ex-desembargador Homero Sabino. O decano da magistratura goiana declarou que Moro agia como ditador:
“Lava Jato tem que chegar ao fim senão vira ditadura do Judiciário”, alertou o fundador da ASMEGO (Associação dos Magistrados do Estado de Goiás).
Amante das artes, Batista transformou DM numa galeria aberta, com quadros dos mais representativos pintores goianos nas paredes da redação, além de ornar com esculturas de Omar Souto os jardins ao redor do edifício sede do jornal da Avenida Anhanguera.
Frasista de primeira linha, um dia atestou sobre as idiossincrasias da política goiana:
“Estas vestais da rua de cima conheço todas como putas da rua de baixo”.
Nos últimos anos Batista Custódio dedicou-se a escrever seu livro de memórias. Neste mesmo período lutou bravamente contra o câncer, sem nunca esmorecer ou perder a esperança. Espiritualista, acreditava que a vida não termina. Provavelmente vai encontrar-se no pós-vida com os escritores e filósofos que admirava, e com o filho Fábio Nasser, que partiu prematuramente.
Batista deixa viúva e filhos e um legado de amor à liberdade de imprensa e paixão pela natureza. Que vá em paz.
PS: segue carta aberta da família à sociedade goiana:
Nota de Luto da Família de Batista Custódio
Prezado povo goianiense, hoje o mastro da Imprensa Brasileira ergue a Bandeira da Liberdade a meio mastro.
O jornalista Batista Custódio lutou bravamente nesta madrugada, após ter entrado na UTI do Hospital São Francisco de Assis. O corpo de 88 anos não mais comportava o espírito combativo do guerreiro que inspirou gerações de jornalistas, amigos e familiares, e deixou um legado permanente de luz, luta e resignação.
O retorno à Pátria Espiritual se deu as 8h25, neste 24 de Novembro, que agora tornou-se um marco de reflexão.
Ainda ontem, quinta-feira, ele recebeu uma última carta psicografada do filho Fábio Nasser. A carta foi lida para Batista Custódio, em voz alta, ontem, as 22h30.
E atendendo ao desejo verbal dele, que gozou de lucidez plena até o instante final, a mensagem está aqui na íntegra. A psicografia resume a admiração não só de um, mas de todos os filhos que acompanharam, de perto, uma das sagas mais brilhantes da história goiana e nacional, mas acima disso: a história de um ser humano que ensinou a bravura e a candura como virtudes permanentes das almas que seguem, qual apóstolos, a Jesus.
Atenciosamente, a família.
Carta psicografada de Fábio Nasser
“Meu pai.
Quero me espelhar em você.
Sua força, sua garra, quantos já teriam se entregado? Mas você é como uma rocha, com todas as dores e ainda assim segue firme na fé, na determinação que a hora ainda não chegou.
Guerreiro é assim mesmo, o corpo tombado, mas o espírito altivo, segue honrando o lutador que existe dentro do peito.
E nessas horas, em que estamos entregues a verdades latentes, vem meu guerreiro e nos faz ver que somos fracos diante dessa força descomunal que se chama sobrevivência.
Que espírito é este que insiste em não cair no sono profundo da carne? És forte, digno de toda nossa reverência, me curvo diante de ti, e me orgulho em ser teu filho.
Sigo segurando suas mãos, não para ajudá-lo, mas para o senhor me fortalecer diante da vida.