Por Vitor Nuzzi, da RBA – Ao terminar sem votação de relatório, a chamada CPI do MST isolou extremistas de direita, fortaleceu o movimento sem-terra e renovou o debate sobre a importância da reforma agrária, avaliam parlamentares. Em entrevista coletiva na Câmara, na tarde desta quarta-feira (27), eles celebraram o encerramento de uma comissão que desde o início, segundo afirmam, tinha como único objetivo perseguir e criminalizar ativistas e movimentos sociais. Em nota (leia abaixo), a direção do MST afirmou que a CPI representou uma derrota da “bancada agromilitar” e não discutiu os reais problemas do campo.
“Em nenhum momento a direção da CPI aceitou fazer esse debate sobre uma agenda positiva para melhorar a legislação para avançar na reforma agrária e na agricultura familiar”, afirmou o deputado Nilto Tatto (PT-SP). Para ele, a direção da CPI não representa o agronegócio, mas uma “minoria que fez um barulho enorme”. Assim, afirmou, não estavam lá representados os empresários de fato voltados para a produção, mas proprietários envolvidos com desmatamento e violência no campo.
Atrocidades
Parte dos deputados apresentou voto em separado. “A gente denuncia as atrocidades cometidas pela direção da CPI”, diz Tatto. Sem citar nomes, ele falou em autoridades que “envergonham” o parlamento ao invadir barracos de famílias sem-terra, forçando a entrada em sedes de entidades ou “adentrando Terra Indígena sem a devida autorização da Funai ou mesmo da comunidade”.
Dessa forma, a CPI “não apurou nada, como já era previsto”. Já é a quinta comissão instalada para supostamente investigar o movimento ou temas ligados à terra. As anteriores ocorreram entre 2003 e 2005, de 2009 a 2011, em 2015/2016 e em 2016/2017. “Chegou ao final (a atual CPI) quando não deveria ter sido instalada.”
Combate à fome
Durante a entrevista, vários deputados citaram a importância da agricultura familiar para o combate à fome no Brasil. Destacaram a feira da reforma agrária, em especial a de São Paulo, com produtos de todo o país vindo de acampamentos e assentamentos, e a presença dos sem-terra no apoio a vulneráveis, como no fornecimento de alimentos a vítimas das recentes enchentes no Rio Grande do Sul.
Era um CPI “fracassada desde o seu início”, afirmou Ceres Hadich, da direção nacional do MST. Para a dirigente, o resultado da comissão evidenciou isolamento da extrema direita, na sociedade e no próprio parlamento. “Buscou fundamentalmente, mais uma vez, criminalizar os movimentos sociais, as pessoas que se organizam para lutar”, acrescentou.
Violência e agrotóxicos
Por outro lado, acrescentou, ajudou “a evidenciar os enormes problemas agrários que a gente enfrenta no nosso país, há mais de cinco séculos”. Entre esses problemas, citou, estão o desmatamento, a grilagem de terras, o aumento da violência e o uso “desenfreado” de agrotóxicos. O movimento pretende ainda entregar ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cópia de carta aberta de apoio ao movimento.
Também integrante da CPI, a deputada Sâmia Bomfim (Psol-SP) viu no fim da CPI “o último suspiro da extrema direita” na Câmara para avançar na criminalização do movimento sem-terra. “Essa CPI teve o efeito de popularizar o MST ainda mais, voltar para a ordem do dia o debate sobre reforma agrária. Agora, todo o Brasil sabe a importância de se lutar pela reforma agrária”, avaliou.
Desmoralização
Para Sâmia, o desfecho significou a “desmoralização completa” do presidente e do relator da CPI, Coronel Zucco (Republicanos-RS) e Ricardo Salles (PL-SP), respectivamente. Além disso, segundo a deputada, eles divulgaram uma fake news ao afirmar que tinham votos para aprovar o relatório final. “Não tinham. Por um único motivo: criaram um relatório mentiroso, como se fosse crime ser de um momento social. Crime é invadir as Terras Indígenas, invadir terras públicas, como os grileiros fazem todos os dias, é trabalho análogo à escravidão, é exportar madeira ilegal.”
O ex-ministro Salles apresentou seu relatório na última quinta-feira (21), sugerindo indiciamento de 11 pessoas. Houve pedido de vista, e o parecer não foi votado. Para que isso acontecesse, a CPI deveria ter sido prorrogada, o que não aconteceu.
Confira nota divulgada pelo MST.
CPI contra o MST fracassa
A CPI chega ao fim e não evidenciou os reais problemas do campo, pelo contrário, foi mais um palanque político para a direita bolsonarista
A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) contra o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) chegou ao fim nesta quarta-feira (27) com uma derrota política da bancada agromilitar. Ao final, a extrema-direita não conseguiu nem ao menos colocar para votação o relatório construído por Ricardo Salles.
A CPI não evidenciou os reais problemas do campo, pelo contrário, foi mais um palanque político para a direita bolsonarista avançar no processo histórico de criminalização da luta em defesa da Reforma Agrária, buscando investigar as ocupações legítimas realizadas pelo MST ao longo deste ano. É neste contexto, que a CPI omite os principais problemas agrários do Brasil provocados pelo agronegócio, como o crescente desmatamento e queimadas, a grilagem de terra, a violência no campo, a super exploração do trabalho, a partir do uso de mão de obra análoga à escravidão, a destruição e contaminação dos bens naturais pelo uso de agrotóxicos.
Além disso, entendemos que a Comissão, tal qual as diligências realizadas e o próprio relatório, foram formas de intimidação e perseguição contra as lideranças Sem Terra que lutam pela democratização do acesso à terra e por um projeto popular no Brasil.
Em um país, onde brasileiros e brasileiras ainda passam fome, repudiamos o relatório final apresentado pela Comissão e apontamos a necessidade de posicionar a legitimidade da luta pela terra e da Reforma Agrária como elementos centrais para se discutir um projeto político para o campo, enfrentando de frente as desigualdades sociais e garantindo o direito de viver e produzir alimentos saudáveis.
Destacamos que o MST não esteve sozinho na luta contra a tentativa de criminalização impulsionada pela CPI. Foram meses de solidariedade de milhares de organizações sociais do Brasil, através da plataforma MST em Debate. Por ela, o Movimento recebeu quase 65 mil assinaturas de brasileiros, além de centenas de notas e moções de apoio. A nível internacional, com a plataforma “Tô com MST”, foram registradas quase mil assinaturas individuais, de mais de 400 representantes de organizações ou movimentos internacionais, de 93 países.
Superada mais uma tentativa de criminalização, seguiremos em luta. Esta CPI em nenhum momento intimidou a histórica bandeira da Reforma Agrária, pela qual marcharemos até que a terra seja um bem de todas e todos no Brasil. Não recuaremos da tarefa de alimentar o povo brasileiro com dignidade e justiça social.
Lutar! Construir Reforma Agrária Popular!