Manaus (AM) – Apoiador de Jair Bolsonaro (PL) nas eleições presidenciais, o governador do Amazonas Wilson Lima (União Brasil) cravou como uma das prioridades de seu segundo mandato a exploração de silvinita no município de Autazes (a 111 quilômetros de Manaus). O minério, do qual se extrai o potássio, é o principal insumo de fertilizantes, produto que atende ao setor do agronegócio.
O projeto não é do governo estadual, mas tem amplo apoio das autoridades governamentais, a ponto de ganhar um capítulo à parte no Plano de Diretrizes e Estratégias para o Desenvolvimento Econômico Sustentável do Amazonas divulgado na última semana de 2022. Apoiador contumaz da mineração, como a exploração de ouro do leito do rio Madeira, o governo de Wilson Lima considera a atividade relevante para o “desenvolvimento” do estado. Não é à toa que seu plano propõe legalização de mineração, flexibilização ambiental e expansão do agronegócio no sul do Amazonas.
“O desafio, no curto e longo prazos, será o de envolver todos os esforços no sentido de obter o licenciamento para a exploração das reservas de silvinita de Autazes, bem como de atrair investidores para a instalação de uma planta de produção de Ureia em Coari ou em Silves”, diz trecho do Plano do governo do Amazonas.
O empreendimento, na verdade, pertence ao grupo empresarial Potássio do Brasil, controlado pelo banco canadense Forbes & Manhatan, o mesmo da mineradora Belo Sun, no Pará. O documento de Wilson Lima só não menciona que o local da planta industrial está dentro da aldeia Soares e seu porto ficará a poucos metros da aldeia Urucurituba, ambas do povo indígena Mura, na foz do rio Madeira, conforme revelou a Amazônia Real.
A pedido do Ministério Público Federal no Amazonas (MPF), o empreendimento está suspenso por determinação da juíza federal Jaiza Fraxe, até que o povo Mura seja consultado sobre a atividade. O MPF também pediu (e foi acatado por decisão da juíza) que o licenciamento ambiental seja analisado pelo Instituto Nacional de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), e não pelo órgão estadual, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), que já havia liberado licença, posteriormente suspensa pela Justiça.
Na gestão de Bolsonaro, o Ibama se negou, repetidas vezes, a assumir a atribuição. Agora, a Justiça Federal do Amazonas quer que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) manifeste o seu posicionamento sobre o assunto. No último dia 4, Jaiza Fraxe enviou despacho indagando a União, o Ibama, a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a Agência Nacional de Mineração do governo Lula se concordam com a posição do governo Bolsonaro de dispensar a licença do Ibama. O prazo de resposta é de 15 dias.
“Em razão da mudança de titularidade do executivo federal, de seus Ministérios, Autarquias e Fundações públicas federais, há necessidade urgente do juízo federal identificar se permanecem ou não os pontos controvertidos para fins de saneamento do feito”, diz trecho do despacho da juíza.
Os indígenas Mura de Soares e Urucurituba sofrem uma forte pressão econômica para aceitar o projeto, mas estão otimistas com o novo governo federal. Desde 2003 eles lutam para ter o território demarcado, mas os documentos nunca avançaram na Funai. As duas comunidades, que fizeram uma autodemarcação em 2018 como Terra Indígena Soares/Urucurituba, não foram incluídas na lista do relatório do Grupo de Transição dos Povos Indígenas do governo de Lula.
A reportagem procurou a Funai perguntando se a nova presidência do órgão sabe do processo envolvendo a TI Soares/Urucurituba, mas não teve retorno. O órgão indigenista também foi indagado sobre o despacho da juíza, mas não respondeu.
Tuxaua pede demarcação
Em setembro de 2022, Jaiza Fraxe determinou que a Funai iniciasse os estudos de demarcação, mas o órgão se negou a atender, entrando com recurso no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) e teve a demanda acatada pelo desembargador Jamil Rocha Jamil de Oliveira, no mês de outubro. A Funai usou como justificativa o marco temporal, uma tese jurídica que impede demarcação de territórios reconhecidos depois da Constituição de 88, entre outras razões, para rejeitar os estudos de Soares e Urucurituba.
Na semana passada, poucos dias após a posse de Lula, Sérgio Freitas do Nascimento, tuxaua de Soares, se disse otimista com o novo governo e acredita que agora seu território será demarcado, em entrevista à Amazônia Real.
“Já fizeram a pesquisa, alguns furos e estavam no início de exploração, mas foi paralisado pela Justiça. Agora, a gente conta com apoio do governo Lula e a pré-consulta que foi paralisada porque a Justiça Federal pediu que a Funai fizesse o estudo de demarcar nossa terra. A nossa terra está no sistema da Funai, só que eles alegam que ela não é indígena, mas nós moramos aqui há mais de 200 anos e precisamos do nosso território”, disse o tuxaua Sérgio Freitas do Nascimento.
Autor de tese de doutorado sobre a TI Soares/Urucurituba pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), o pesquisador Renildo Azevedo afirma que a demarcação do território é “urgente e precisa ocorrer de maneira um pouco mais rápida”. Ele lembrou que a reivindicação dos Mura remonta os dois primeiros mandatos de Lula e chegou até o governo de Dilma Rousseff (PT), sem resultados.
“No mínimo, esse projeto (de exploração de potássio) deve ser suspenso porque há um pedido de demarcação. Há um risco real de que uma vez ocorrendo a mineração esse direito do povo indígena Mura de não ter o seu território sendo afetado pela mineração seja desrespeitado, prejudicado, tendo em vista que há um direito plausível bem significativo e concreto, que devia ocorrer no futuro, exatamente a demarcação da terra indígena Soares/Urucurituba”, explica Renildo Azevedo.
“Estamos precisando da demarcação das nossas terras. Nós nos encontramos esperançosos esse ano porque temos ameaças da mineradora para explorar nosso território e a gente deseja muito que o presidente Lula, a Sonia Guajajara [ministra dos povos indígenas] e a Joenia Wapichana [presidente da Funai] possam nos ajudar”, salientou o tuxaua de Soares.
Modelo econômico protegido
A articulação entre governo do Amazonas e empresa Potássio do Brasil foi consolidada no Plano de Diretrizes e Estratégias para o Desenvolvimento Econômico Sustentável do Amazonas, mas o empreendimento não é novo. Ele tem quase dez anos e, desde que foi suspenso, a empresa iniciou fortes articulações com o poder público para ser aprovado.
A Amazônia Real procurou o governo do Amazonas e tentou obter informações complementares sobre o plano de mineração no estado, mas não teve respostas. Na imprensa local, as autoridades reforçam que estão comprometidas com a exploração de potássio.
Marcos Villela, secretário executivo da Secretaria Executiva de Mineração, Energia, Petróleo e Gás (Semep), disse em entrevista à TV Amazonas, no dia 30 de dezembro de 2022, que a mineração do potássio é “um grande potencial”. “O estado é rico nisso e agora ele tomou uma relevância maior a nível nacional em função do litígio na Ucrânia”, declarou.
O argumento presente no plano de desenvolvimento do governo do Amazonas, justificando a exploração de potássio em Autazes devido à guerra da Rússia, um dos principais exportadores do minério, contra a Ucrânia foi o mesmo utilizado pelo ex-presidente Bolsonaro em março de 2022, quando pressionou a tramitação do Projeto de Lei 191 que regulamentava os artigos 176 e 231 para autorizar o garimpo ilegal nas terras indígenas.
Apesar de Bolsonaro fracassar na tentativa de reeleição, Wilson Lima, apoiador do garimpo, foi reeleito e declarou que continuará aliado do ex-presidente, dando a entender que seguirá com os mesmos ideais, independente do cenário político ter mudado.
“Eu tenho, como todo mundo sabe, um alinhamento com o presidente Jair Bolsonaro e vou manter esse meu posicionamento”, disse em entrevista à Rede Amazônica em 31 de outubro de 2022, após o resultado do segundo turno das eleições que deram a vitória a Lula.
Lima também disse que buscará comunicação com a nova presidência para “proteger” o modelo econômico e os interesses ambientais. “O estado do Amazonas não tem como perder, como ficar sem essa comunicação em Brasília. Então, é importante o estreitamento dessas conversas e dessas relações para que a gente possa proteger o nosso modelo econômico e também os nossos interesses ambientais da nossa população”, afirmou na mesma entrevista de outubro à Rede Amazônica.
Potássio Verde
Mas como Wilson Lima e a Potássio do Brasil pretendem deixar o vento a favor deles com o Brasil sob um novo governo federal, que se comprometeu a atender as demandas dos povos indígenas e em recuperar a política ambiental destruída no governo de Bolsonaro?
Sabendo que o presidente Lula prometeu acabar com a mineração em terras Indígenas, Adriano Espeschit, atual presidente da Potássio do Brasil, vai tentar convencer a ministra Marina Silva que o emprendimento é sustentável, apesar dos notórios impactos ambientais descritos no próprio Estudo de Impacto Ambiental (EIA) do chamado “Projeto Autazes”.
O empresário também passou a adotar, nos últimos meses, uma retórica mais “ambiental” e a apostar na “engenharia sustentável”, batizando o projeto de exploração mineral em Autazes de “potássio verde”, conforme se vê na entrevista cedida à agência Infra em novembro de 2022. “Nossos produtos são verdes. E a Potássio Brasil irá produzir potássio verde”, alegou.
Em entrevista dada em dezembro de 2022 ao programa Meio Dia com Jefferson Coronel, do canal Onda Digital, Adriano Espeschit demonstrou expectativa com o novo governo e afirmou que Marina Silva iria “adorar” o Projeto de Autazes já que, segundo ele, cerca de 1,1 bilhão de toneladas de carbono deixariam de ser emitidas anualmente pelo combustível utilizado no transporte do Potássio exportado.
“A senadora Marina e possível ministra no futuro, vai adorar [esse projeto] porque nós vamos estar exatamente trabalhando em benefício do meio ambiente com sustentabilidade”, afirmou na ocasião.
A retórica do empresário difere do que consta no EIA/Rima e suas mais de 1.500 páginas. O documento admite os danos na região da reserva de potássio, que indica alto potencial de alteração na qualidade das águas, com impactos sociais e ambientais.
“É lógico que a gente tem que olhar o impacto social, o impacto econômico, o impacto ambiental e tudo isso está sendo considerado. Agora, é justo a gente deixar de beneficiar uma terra indígena e os seus moradores com um valor vultoso, como este? Também fica para reflexão”, questionou o empresário ao falar num faturamento previsto de 97 milhões de reais ainda em entrevista ao Canal Onda Digital.
O pesquisador Renildo Azevedo considera o uso da palavra “verde” apenas uma jogada de marketing para legitimar o empreendimento em um momento de pressão global pela proteção ambiental.
“O capitalismo, desde a década de 1970, usa palavras, jargões ambientais, para disfarçar os reais prejuízos que as atividades econômicas do capitalismo desenvolvem. Do ponto de vista econômico, no nosso caso, a gente tem um histórico de que a mineração não melhora a vida econômica e social das pessoas da região norte”, ressalta.
Segundo Renildo Azevedo, o governo do Amazonas e a empresa tentam mascarar os reais impactos do projeto e, deliberadamente, ocultam a existência de terra indígena na área do empreendimento.
“O governo do Amazonas e o governo federal, em algum momento, atuaram sistematicamente para invisibilizar os Mura que vivem no Lago do Soares e na vila de Urucurituba. É como se ali não existissem povos indígenas. É tanto que o Ipaam deu licenciamento ambiental para que a mineradora pudesse entrar na fase de operação”, afirma.
Regularizando o ouro
De acordo com seus planos de segundo mandato, o governador Wilson Lima também pretende atrair novos investimentos na atividade mineral como modelo econômico aliado da Zona Franca de Manaus.
“A questão mineral é algo que é fundamental para o Estado do Amazonas. É o que vai fazer frente também à Zona Franca de Manaus. É importante a gente ter a Zona Franca, mas é necessário que a gente encontre outras atividades que possam ser complementares ao modelo, porque a Zona Franca não é eterna”, disse Wilson Lima em reunião com o diretor da Potássio Brasil em junho de 2022.
Durante lançamento do Plano de Diretrizes e Estratégias para o Desenvolvimento Econômico Sustentável do Amazonas, em 30 de dezembro de 2022, Valdenor Cardoso, secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (Sedecti), disse que o documento aponta para uma necessidade de induzir a descentralização da matriz econômica para o interior, reduzindo a concentração no Polo Industrial de Manaus (PIM).
“Ao estimular a dinamização da economia e a sua descentralização para o interior do Amazonas, o governo criará também oportunidades de desenvolvimento econômico e social para a população”, afirmou em entrevista à TV Amazonas.
O plano do governo do Amazonas para o segundo mandato propõe não só a exploração de potássio, mas cita como exemplo o potencial de crescimento do ouro, um problema que se estende por toda a Amazônia.
“A exemplo da mineração do ouro, que se regulamentada tem potencial para gerar emprego, renda e promover a interiorização do desenvolvimento econômico do Estado”, diz o documento, que utiliza Rondônia, um estado devastado pelo agronegócio, como exemplo.
“Evidencia-se que não são triviais os valores de faturamento que poderiam ser alcançados pela atividade por meio de uma produção estruturada e dentro da legalidade, bem como os valores arrecadados da CFEM pelo minério de ouro em benefício dos municípios produtores”, acrescenta o plano.
“Ele [Wilson Lima] assume essa visão de uma exploração de mineração em terra indígena sem levar em consideração que ali é uma terra indígena. Então interessa ao governo invisibilizar essa questão porque é um obstáculo para os interesses representados ali pelo governo do estado e também pela empresa Potássio do Brasil”, conclui Renildo Azevedo.
Fundo Amazônia
Mas o governador Wilson Lima vai ter que lidar com as novas articulações no governo federal, os novos tempos da agenda ambiental nacional e internacional e administrar as contradições de seu discurso e prática.
Logo após a posse do presidente Lula, o governador recebeu, em 2 de janeiro de 2023, o presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, que durante agenda oficial no Brasil viajou de Brasília até o Amazonas para conhecer ações e projetos ambientais desenvolvidos com apoio do governo alemão.
Na visita, Steinmeier anunciou a volta do Fundo Amazônia, com investimento imediato de 35 milhões de euros para a proteção da floresta amazônica. Wilson Lima aproveitou para fazer marketing e dizer que a cooperação têm gerado frutos como “ações de combate ao desmatamento na Amazônia” e “incentivo à produção rural sustentável no estado”.
“A minha primeira agenda oficial como governador neste segundo mandato é a visita do presidente da Alemanha, uma visita muito simbólica para o estado do Amazonas, para a Amazônia e para o mundo. Porque isso passa um recado da preocupação que a gente tem com a proteção dos nossos ativos ambientais, mas sobretudo da proteção da população”, disse Wilson Lima.
Nos últimos anos, o estado do Amazonas teve aumentos recortes de desmatamento e queimadas, figurando entre os primeiros da região.
Não é a primeira vez que o governador Wilson Lima discursa em favor do meio ambiente e da proteção dos guardiões da floresta ao mesmo passo em que reafirma, quando conveniente, seu apoio ao garimpo e ações que levam ao aumento do desmatamento.
Em reportagem especial sobre comunitários do rio Manicoré, a Amazônia Real mostrou que Wilson Lima defende explicitamente o garimpo no rio Madeira e é contra a regularização de comunidades ribeirinhas. Em junho de 2022, ele chegou a dizer, em visita ao município do de Manicoré, que “não faz sentido você deixar uma árvore em pé se o nosso povo estiver passando fome” e “não me venham com discurso de criação de reserva, de proteção de floresta”, revelando duas caras ao governar o estado.
Para o ambientalista Carlos Durigan, é necessário tratar de todos os temas na gestão pública e dar atenção às diversas frentes que engajam diferentes segmentos da população do Amazonas. No entanto, ele também identifica posicionamentos contraditórios e que acabam por gerar confusão e ainda estimular a continuidade dos conflitos que vivemos na região.
Com a reativação do Fundo Amazônia, Durigan enxerga um importante passo para a retomada do apoio a frentes de ação para proteção ambiental e agenda produtiva em bases sustentáveis na Amazônia, mas faz alerta ao conflito de interesses.
“O acesso ao apoio do Fundo irá demandar dos estados e municípios um alinhamento de suas ações ao que preconiza o fundo. Assim é uma boa oportunidade para o governo do Amazonas rever e definir melhor suas políticas para que estejam alinhadas ao esforço de fortalecimento das agendas positivas no estado”.
Carlos Durigan acredita que, para se construir um modelo de desenvolvimento sustentável no novo governo que se inicia, é necessário além de proteger o patrimônio natural e haver maior integração entre as esferas da gestão pública, respeitar os direitos dos povos indígenas e ainda assim gerar riqueza e melhor qualidade de vida a toda a população.
“Este é o momento que temos para criar um cenário de colaboração e trabalho conjunto e ainda envolver a sociedade civil nos processos de tomada de decisão. Temos uma ótima oportunidade agora para isso e espero que nossa gestão pública esteja de fato empenhada em construir um cenário mais positivo para todos nós”, diz.
A Amazônia Real enviou perguntas à Sedecti e à Secretaria de Comunicação (Secom) do governo estadual para responder sobre as questões tratadas nesta reportagem, mas não teve resposta. O Ibama também foi procurado para responder sobre o despacho da juíza Jaiza Fraxe, mas não respondeu até a publicação desta reportagem.
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