Marcus Vinícius de Faria Felipe
Para entender a política brasileira é preciso olhar com atenção para o passado nosso e de nossos hermanos latino-americanos e de nossos presidentes populares.
Nos anos 1960 e 1970, Brasil, Chile, Uruguai e Argentina foram assolados por ditaduras militares, apoiadas por Washington (DC), no âmbito da política da Guerra Fria entre os Estados Unidos e a extinta URSS (União Soviética).
No Brasil foram 21 anos de regime militar (1964-1985), 17 anos no Chile (1973-1990) e no Uruguai (1968-1985) e sete anos na Argentina.
Qual a diferença entre nós e os hermanos? Nossos vizinhos de língua espanhola puseram na cadeia ditadores, torturadores e terroristas de extrema direita, enquanto por aqui foi aprovada uma anistia que deixou livres os comandantes militares e civis do esquema de tortura, morte e desaparecimento de opositores do regime militar.
Na história dos países ou na convivência familiar, sempre que se passa a mão na cabeça de quem faz algo errado esta pessoa se sente no direito de continuar com o comportamento infrator.
E é esta falta de acerto de contas com os mal-feitos do passado que explica este período conturbado que o Brasil enfrenta. Milhares de brasileiros, sem o devido conhecimento dos horrores praticados pela ditadura, são induzidos à crença da infalibilidade e altruísmo dos governos militares.
Talvez tudo fosse diferente se os democratas do Brasil tivessem escutado mais atençãoo General Henrique Teixeira Lott, o Soldado da Democracia.
Novembrada
Em 1955 o ex-governador de Minas Gerais, Juscelino Kubistechk (PSD) foi eleito presidente da República por maioria simples. Naqueles tempos a Constituição de 1946 previa que seria eleito quem tivesse mais votos, hoje são necessários 50% mais um, e é por isto que Lula da Silva e Jair Bolsonaro disputaram um segundo turno. Lula venceu com 59.563.912 votos (50,83% dos votos válidos), contra os 57.675.427 votos (49,17%) de Bolsonaro.
Mas naquele ano de 1955, Juscelino Kubitschek recebeu 36% dos votos contra 30% do Brigadeiro Juarez Távora (UDN), 26% de Ademar de Barros (PSP) e 8% de Plínio Salgado (Acão Integralista). A vitória apertada de JK foi questionada pela UDN do jornalista e deputado Carlos Lacerda, que após o suicídio do presidente Getúlio Vargas em 24 de agosto de 1954 defendia o adiamento das eleições de 1955. Só para frisar: Getúlio foi eleito para um mandato de 5 anos (1951-1955).
Lacerda e a UDN tramaram um golpe contra a posse de JK. Os conspiradores envolveram militares golpistas do Exército e da Marinha que queriam colocar no poder Carlos Luz, que era presidente da Câmara Federal.
Deu ruim.
O ministro da Guerra (equivalente hoje a Ministro da Defesa) Henrique Teixeira Lott era legalista. O general constitucionalista decretou Estado de Sítio, desbaratou a trama e pôs os conspiradores para correr no dia 11 de novembro de 1955.
Juscelino Kubitschek tomou posse no dia 31 de janeiro de 1956, anistiou os conspiradores mas as ameaças contra o seu governo não pararam.
No dia 10 de fevereiro de 1956,o tenente-coronel aviador João Paulo Moreira Burnier e dez homens entram armados no aeroporto do Galeão, roubam três aviões e voaram para a Base Militar de Aragarças, em Goiás. Burnier, o líder da revolta, planejava a ocupação das bases militares de Santarém, Aragarças, Xingu, Cachimbo e Jacareacanga, e o bombardeio dos palácios do Catete e das Laranjeiras. Com isso, pretendia forçar o estado de sítio e abrir um flanco para um golpe militar. Era a chamada Revolta de Aragarças e Jacareacanga.
Novamente ação do general Lott impediu o golpe. E outra vez, contrariando conselhos de Lott, o presidente JK anistiou os revoltosos.
Os conspiradores continuaram unidos sob a influência do coronel Golbery do Couto e Silva e do general Humberto Castello Branco. O general Lott mais uma vez alertou JK: “Coloque todos eles na reserva”. Outra vez JK não ouviu o alerta de Lott. O resultado veio em 1º de abril de 1964: Castelo Branco liderou o golpe militar que tirou João Goulart do poder. Em 8 de agosto de 1964 JK foi cassado pelo general Castello Branco tendo como base um relatório fake news do coronel Golbery, o criador do famigerado SNI (Serviço Nacional de Informações). Burnier, que havia sido anistiado por JK foi denunciado como um dos mais sanguinários torturadores da ditadura no livro Brasil Nunca Mais, organizado pelo saudoso Dom Paulo Evaristo Arns.
Decretão, o exemplo de Iris para Lula
O governo de Jair Bolsonaro conspirou à luz do dia nos últimos quatro anos para implantar uma ditadura no Brasil. Nos seus estertores ele ainda conspira, tendo como base de apoio cerca de 8 mil militares que colocou em cargos de 1º, 2º e 3º escalão no seu governo.
Se o presidente Lula e seus apoiadores observarem o passado recente do Brasil terão certeza de não podem repetir os erros de JK e dos Constituintes de 1988, que não puniram os militares e civis que serviram nos porões da ditadura.
Nem anistia para Bolsonaro e seus aliados mais próximos, nem guarida para os seus apoiadores no governo federal.
Quando assumiu o governo do Estado em 1983, uma das primeiras decisões do governador Iris Rezende Machado (PMDB) foi assinar um decreto que pôs na rua cerca de 40 mil servidores que haviam sido contratados durante os últimos anos do governo de Ary Valadão (PDS). Era preciso reduzir gastos, enxugar as contas para administrar, mas para além da questão financeira, fazia-se necessário, politicamente, retirar dos postos de mando os que serviram durante o governo ditatorial, até que fosse possível fazer contratações baseadas na competência e experiência de cada servidor. Houveram injustiças neste processo? Sim, não há dúvida, mas era aquele tempo o único remédio para iniciar um novo ciclo de governos democráticos no Estado.
O exemplo de Iris vale também para Lula.